OS REGATINHOS DE EÇA
Foi na juventude que li algumas obras de Eça de Queiroz e gostei. Comecei pelos Maias e depois lembro-me de ter passado pela Relíquia sendo que esta última também vi posta em teatro interpretada pela inesquecível Elvira Velez. Um fartote de riso. Ah sim, também li O crime do Padre Amaro e As minas de Salomão, traduções que amiúde passam por originais queirozianos. Foi há pouco tempo que fui conduzido à leitura da Vida de Santos.
Inquestionavelmente, um bom escritor.
E o que resulta da obra de Eça? Uma crítica bem assertiva à sociedade portuguesa, sem dúvida, mas pondo-nos a ridículo de um modo que a partir de certa idade me começou a irritar. Deve ter tudo a ver com o 25 de Abril, época a partir da qual a comunicação social se dedicou a apontar-nos todos os defeitos do mundo, os que temos e os que os jornalistas inventam. E fá-lo a tempo inteiro. Então, como não posso mandar calar a comunicação social nem sequer mandá-la fuzilar sem julgamento prévio, decidi aligeirar o mais possível toda a maledicência que me rodeia e pus Eça de Queiroz na prateleira sem tencionar voltar a lê-lo enquanto o pesado ambiente crítico me rodear. Já bastam os telejornais!
Eis por que nunca li A cidade e as serras nem todas as outras obras de Eça que não citei até aqui. Et pour cause, não conhecia a bela frase que consta algures (já não recordo em que página) dessa Vida de Santos em que Eça bucoliza os «Espertos regatinhos (que) fugiam rindo com os seixos, dentre as patas da égua e do burro». E como não a conhecia, estava com uma ideia truncada de Eça pois não o estava a ver muito fora da trama social.
Então, como homem do asfalto, sorriu-me o bucolismo da paisagem atravessada por um regato a cantar nos seixos e eu montado na égua a molhar as mãos e os pés na água fria (para nós, homens de cavalos, não há patas mas sim mãos e pés a que mais correctamente deveríamos chamar braços e pernas; mas não, sempre dizemos mãos e pés).
Mas quanto à correcção da ideia truncada que eu tinha de Eça, fica por aqui já que não a tenciono colmatar nos tempos mais próximos. Cesse a maledicência e, então e só então, encararei a hipótese de completar o que está incompleto, o meu conhecimento queiroziano.
E, já agora, espero que me façam justiça reconhecendo que os espertos regatinhos são muito bem apanhados e que a vida continuará a ser bela enquanto eles rirem nos seixos.
Continuemos...
Henrique Salles da Fonseca