OS GATOS E AS LEBRES
O que valemos para a Nação?
O que andamos por cá a fazer?
Dois modos de colocar a mesma questão por quem não gosta de ser um mero consumidor de oxigénio. Certo dia, bem longínquo lá nos idos, ouvi um Fulano apregoar que já tinha trabalhado muito «nos tempos da outra Senhora» e que agora (passava uma dezena de anos do 25 de Abril de 74) era a vez de não fazer nada, de gozar a vida. Perguntado por outro espectador sobre qual a profissão que exercera, respondeu que a de «contínuo» numa Repartição Pública.
Perguntado mais detalhadamente, ficámos a saber que lhe cumpria permanecer sentado numa secretária a meio de um longo corredor. Tive alguma dificuldade em suster o riso mas felizmente consegui manter um ar seráfico pois logo de seguida, na minha qualidade de contribuinte, me apeteceu insultá-lo. O que não fiz, claro!
Pelo modo como o Fulano se expressou, deu para entender que lhe cumpria estar sentado e que magnanimamente condescendia por vezes em fazer recados como por exemplo levar um ofício de uma para outra Secção da dita Repartição. Nada esclareceu (porque não perguntado) sobre se lhe cumpria dar alguma informação a contribuinte que lha pedisse. Fiquei convencido de que qualquer boneco de cera ao estilo de Madame Tussauds seria muito mais decorativo do que aquele emplastro, ficaria muito mais barato ao Erário Público e ninguém o veria espalitar os dentes depois do almoço (o que quase por certo faria). Ou seja, já «no tempo da outra Senhora» se praticava o sub-emprego, o mesmo é dizer, se confundia locais de trabalho com asilos.
Quando a Constituição da República de 1976 determinou que o trabalho passava a ser um direito, a produtividade, a competitividade, a competência e o brio profissional entraram num ainda mais acelerado processo degenerativo e concluíram o percurso em adiantado estado de moribundez. A política soviética do pleno emprego é mais uma das mentiras que ao fim de 70 anos de permanentes práticas viciosas levaram a URSS à ruína. Nós, Portugal, também não resistimos a tanta mentira.
E quando o nível médio de instrução da população portuguesa dá provas estatísticas de “grandes progressos”, é oportuno perguntarmo-nos sobre o que sabem esses jovens fazer. Olhemos em redor. Mas façamo-lo com cautela para não nos espetarmos nalgum desses cursos que não passam de gatos a imitar lebres, nas passagens administrativas, nas licenciaturas por «mérito» curricular...
Mas os Papás e Mamãs que provavelmente passaram a vida activa sentados num corredor, acham que aos Fifis com canudo tudo é devido e que «eles», esses outros sempre distantes mas sempre na boca dos desbocados, é que têm a obrigação de lhes arranjar um emprego. E dizem um emprego, não um posto de trabalho.
Sim, é mais do que tempo de corrigir as mentiras em que os demagogos e outros bandidos enrodilharam Portugal vendendo gatos por lebres. Há que voltar a pôr as lebres a correr (dar valor ao mérito) e amansar os gatos assanhados (mandar calar os balofos).
Janeiro de 2017
Henrique Salles da Fonseca