OS BARÕES ASSINALADOS DA CONTINUIDADE
Conclusão da longa análise do país insolúvel, porque sem solução à vista, segundo a pena de António da Cunha Duarte Justo, e daí que a preceda com o artigo de Vasco Pulido Valente, servindo-lhe de corolário, na graça feroz de um saber e uma inteligência sem tréguas – “O Manicómio”, saído no Público de 25 de Abril – um e outro autor mostrando-nos que, apesar do derrotismo do segundo e da imparcialidade crítica do primeiro, ambos não pretendem mais do que gritar o seu alerta de responsabilização e apelo a uma consciência nacional que recomponha do desconchavo.
A felicidade que em mim subjaz, no reconhecimento dos valores pátrios a garantir-nos que os haverá sempre, como obstáculo a uma irracionalidade de exaltação pueril, me faz dar-lhes lugar extenso no meu blog, onde cabe igualmente o pesar pela morte de mais um grande valor pátrio, que lutou elegantemente e arduamente pela sobrevivência da sua língua, numa nação em extravio – Vasco da Graça Moura, que a morte levou em 27 deste mesmo Abril, substituídos os cravos pelas flores da tristeza.
O texto de Vasco Pulido Valente:
«O manicómio»
Não há limites. Como Soares provou, quando disse numa conferência qualquer que o Dr. Salazar tinha o mérito de não ter “mexido nos dinheiros públicos”. Não se percebe onde Soares queria chegar com esta frase absurda. É ela um elogio à tão proclamada pobreza e honestidade do ditador, que pagou até ao fim um galinheiro em S. Bento e criava coelhos? Ou um ataque implícito ao regime vigente, e aos partidos que nos governaram, e que andam hoje a arrastar as suas misérias pelos tribunais? Não parece. A ideia foi com certeza a de comparar a política financeira de Salazar com a política financeira da democracia e as contas certas de Salazar com a dívida e o défice de agora, que arrastaram o país para a miséria e nos trouxeram uma intervenção estrangeira, ainda longe de acabar.
Mas, se assim for, Soares reconhece que a crise é o resultado de políticas do Estado de que o PS e o PSD tomaram a responsabilidade.
Para não falar dele próprio. O serviço de saúde, o sistema de ensino, a Segurança Social, o exército de funcionários públicos com que os partidos sustentaram as suas clientelas, os milhares de milhões que se gastaram em betão inútil, o suborno sistemático com que durante 40 anos se pretenderam ganhar votos não entram na categoria das coisas que “nos caíram em cima”, ou naquela outra mais subtil dos efeitos perversos do “neoliberalismo” e da progressiva ruína da “Europa”. São todas a consequência previsível de decisões deliberadas de governos legitimamente eleitos. De que Soares fez parte ou, de Belém, abençoou.
O elogio a Salazar, de que a audiência gostou, não reflecte espécie de racionalidade. Não passa de saudades de um tempo em que não havia sarilhos com o défice e a dívida, porque a PIDE, a censura e a GNR impunham a miséria em que Salazar achava que o país devia viver. O problema, em 2014, é que a democracia não educou os portugueses para a submissão: e os políticos correm por aí, estonteados, como aves sem cabeça. O dr. Soares propõe a violência e apreciaria ver a GNR invadir (tumultuosamente) a Assembleia da República (uma “bela ideia”, explicou ele). Um grupo de “notabilidades” (os 74) resolveu sugerir uma bancarrota a prestações, contando provavelmente com a estupidez do próximo. Meia dúzia de loucos prefere a revolução (mas que revolução?). E anteontem Soares ressuscitou Salazar. Portugal é um manicómio.