OLHO POR OLHO
Corria o ano de 1968 quando decidi passar a usar lentes de contacto em substituição dos óculos (que usava desde os 5 anos de idade) que a cavalo me caíam constantemente para a ponta do nariz.
E a vida correu com a maior naturalidade só voltando a pôr os óculos durante o período da recruta militar não fosse alguma tropelia bulir com as lentes e, portanto, com os olhos. E, já de regresso à vida civil, um saco de viagem deu um tombo e os óculos que estavam lá dentro mal arrumados partiram-se e deitei-os no lixo. Até hoje não voltei a usar óculos a não ser para ler como qualquer ancião.
Até que na semana passada fui à inspecção para renovação da carta de condução e errei uma letra que o médico me mandara ler. Porque o erro não resultava de mau aproveitamento escolar, só uma razão oftalmológica justificava o engano e o médico perguntou-me há quanto tempo eu não ia ao oftalmologista. Ao que muito lhanamente lhe respondi que por certo há mais de 40 anos. Ao médico só não se lhe eriçaram os cabelos porque já estava munido de evidente alopécia mas, cavalheiro, exigiu que lhe prometesse sob palavra de honra que ia brevemente ao oftalmologista.
Saído da inspecção, procurei de imediato cumprir a palavra e fui a uma primeira consulta no início desta semana. E a conclusão é a de que não tenho qualquer doença oftalmológica e que tenho uma córnea muito boa. Não se tratando de matéria tauromáquica, fiquei também a saber que as lentes de contacto que uso há 47 anos (sempre as mesmas) já são fortes de mais para aquilo de que necessito actualmente e essa foi por certo a razão que me levou a não ler a tal letra. Mas se este primeiro exame foi feito com as lentes postas, o próximo deverá decorrer sem elas e com uma semana de visão ao natural.
Estou agora a escrever este texto sem as minhas companheiras de há 47 anos e, pelo que entretanto me foi dito que já não preciso de lentes tão fortes, não voltarei certamente a pô-las. Guardei-as na caixa que, também ela, me acompanhou por todo o mundo e agradeci-lhes o bem que me fizeram durante tanto tempo.
São 10 da noite e acabei agora mesmo de as arrumar na minha mesa-de-cabeceira, ali bem debaixo de olho, em merecida e agradecida reforma. Muito dignas, não são descartáveis, toda a honra lhes é devida.
11 de Fevereiro de 2015
Henrique Salles da Fonseca