O “STATUS’’ DA COZINHA À MESA
A alimentação sempre foi para nós, simples mortais, questão de sobrevivência, mas a degustação, avaliação sensorial dos alimentos através do paladar, era a arte dos “connaisseurs”, privilégio de abonados e reis.
No passado remoto, o que se comia vinha do meio em que se habitava. Hoje, com as facilidades de transporte e comunicabilidade, pode-se ter produtos de qualquer parte do mundo para o jantar. Os costumes, a cultura, os níveis social e económico, até a religião, regiam e ainda regem os hábitos alimentares. Porém, se ontem só a nobreza e os grandes Senhores se podiam brindar com iguarias feitas pelas mãos dos mestres da arte culinária, na actualidade, quem tem gosto e algum dinheiro para gastar, pode-se dar ao luxo de desfrutar a gastronomia oferecida pelos “chefs” que actuam em restaurantes de alto padrão, onde a cozinha é laboratório de pesquisa de novos e exóticos sabores e a mesa é o palco de apresentação de pratos que agradam a vista e deleitam o paladar.
A gastronomia nos países mais ricos e desenvolvidos voltou a ganhar destaque, não só pela preocupação em se valorizar a saúde, como também na confirmação da sua importância na vida social e política das pessoas. Desde a antiguidade, a mesa é o local de reunião, de confraternização, de comunhão, de decisões que afectaram famílias e destinos de nações.
Em tempos mais evoluídos, à mesa, reis demonstravam o seu poder e refinamento na ostentação das suas ricas baixelas e requinte na apresentação de seus pratos. Ritual alimentar executado pelos nobres da corte, que os assistiam com reverência e guardavam sua cozinha com o rigor de Ministros de Estado.
Diz-me o que comes, e como comes, e eu te direi quem és. É um ditado popular adaptado que muito pode esclarecer sobre quem está à mesa. Come-se à francesa, à inglesa, à americana,..., pratos portugueses, comida brasileira, indiana,... . Comer é um acto social. Conta-se que durante a segunda grande guerra mundial um espião americano infiltrado nas hostes alemãs foi descoberto quando, ao comer, pegou os talheres à moda americana, isto é, faca na mão esquerda e garfo na direita. A mesa é reveladora, é litúrgica, ritual, nos aproxima ou afasta dos deuses.
Na idade média, a alta nobreza europeia gastava na cozinha mais da metade do seu orçamento doméstico com alimentos para a família, parentela, sustento e pagamento de empregados e agregados. As pratarias, vidros, porcelanas, taças, saleiros, talheres, baixelas eram verdadeiras obras de arte. Personalizadas, encomendadas a renomados artífices e ourives, eram extremamente valorizadas. Trancadas a sete chaves, por gentes da Corte, especificamente responsáveis pelos valores a eles confiados (manteeiros-mores), eram a demonstração da riqueza e refinamento do seu Senhor ou rei.
A civilização ocidental conheceu novos mundos e trouxe de lá desconhecidos produtos e costumes. Empregou condimentos do Oriente, desenvolveu exóticos paladares, deu mais durabilidade aos alimentos. Frutos e tubérculos como a batata, o tomate, o ananás, o milho e aves, como o peru da América, na Europa, ganharam sofisticadas maneiras de confecção e refinamento. As ervas nas mãos de frades passaram a ter propriedades medicinais, remédios para o corpo e a alma das pessoas.
O comer, acto essencial à vida, exercício social onde se aprende a arte de conviver, que dá prazer e até “status”, devia ser um direito de todos os seres deste nosso planeta.
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 23/08/2014