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A bem da Nação

O SEU A SEU DONO

 

«O cão que ao pescoço leva o jantar do dono»

É mais uma fábula do La Fontaine

Reveladora de que o mais escrupuloso,

No cumprimento de um qualquer dever,

Se deixa muitas vezes pela maioria vencer,

Caindo no jeito guloso,

Ambicioso,

Do compadrio sem brio

E com muita lata,

Que se apodera do bem alheio

O que é bastante feio.

Mas é um ver se te avias de participação

No festim destinado ao dono

E que para si e os outros reverteu,

Ficando o dono a ver navios,

Desapossado do seu pitéu.

Mas o meu e o teu são discussão

Bem antiga, por sinal,

E nunca lhe poremos ponto final,

Cada um achando que o que os outros têm

É fruto sabe-se lá de quê,

E o que ele próprio tem provém

Do seu mérito, do seu trabalho, do seu talento,

E que não quer dar a ninguém

Do que tem.

Porém

Nem sempre isso é verdadeiro,

Como se verá no exemplo certeiro

Que La Fontaine cita com tanta tinta

Do seu tinteiro:

«Nós não temos os olhos à prova das belas,

Nem as mãos à prova do ouro:

Poucos guardam um tesouro

Com fiel precaução.

Um cão

Levava ao dono o almoço,

A asa do cabaz presa ao pescoço

Como um colar de estimação.

Ele praticava a temperança mais do que lhe apetecia

Quando via um pitéu da sua simpatia.

Mas enfim, ele era assim,

Enquanto que nós

Nos deixamos tentar pelos bens.

Coisa estranha! Ensinamos a temperança aos cães

E não conseguimos ensiná-la aos homens.

Indo assim este cão equipado,

Passa um mastim que lhe cobiça o jantar.

Não teve logo o êxito esperado:

Para melhor proteger o tesouro,

Durante a luta,

O cão tirou o cesto do pescoço.

Grande combate! Outros cães chegam.

Eram daqueles que vivem a provocar o público

E pouco receiam os golpes.

O nosso cão, vendo-se muito fraco contra todos eles,

Quis receber a sua parte. E sensatamente, lhes disse:

“- Nada de cóleras em excesso, Senhores,

O meu bocado me é bastante:

Façam bom proveito do restante.”

E cada um de servir-se, a matilha, o mastim,

Cada qual melhor; todos festejaram;

Todos participaram no festim.

Creio ver neste caso a imagem de uma cidade

Onde se põem os dinheiros à mercê das gentes.

Magistrados, chefe dos comerciantes,

Tudo deita a mãozinha: o mais hábil

Dá o exemplo. E é um passatempo

Vê-los limpar um monte de pistolas.

Se algum escrupuloso por razões frívolas

Quer defender o dinheiro e diz a menor palavra,

Respondem-lhe que ele é parvo.

Não lhe custa render-se.

E é, em breve, o primeiro a encher-se.»

Vem a calhar esta história

À nossa glória,

Pois também por cá se vê e se viu,

O que até se traduziu

Por sete cães a um osso,

Mesmo sem este estar ao pescoço.

Mas isso era antigamente.

Evoluímos de tal maneira

No politicamente correcto,

Que, presentemente,

Preferimos pela calada obter o osso,

E não cairmos na asneira

De nos lançarmos a ele

À vista de toda a gente.

Também,

Todos dizemos amen a quem

Nos ajuda temporariamente,

Embora à espera, como seria de prever,

Que a dívida fosse paga devidamente.

Mas chegou a altura de pagar,

E… adeus minhas encomendas!

Preferimos gritar,

Lembrar as vilas morenas

E continuar a sorver,

Do osso,

Fingindo acreditar

Que o meu e o teu

São para relativizar.

Mais o teu do que o meu, todavia,

Explicamos com sabedoria:

Porque o que é teu também é nosso

E o que é meu o trago ao pescoço,

Como colar de estimação,

Tão difícil de arrancar como de retirar

Um pedregulho de um fundo poço.

 

^Berta Brás

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