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A bem da Nação

O NÚMERO DE DOUTORAMENTOS

 (*)

 

Governos das últimas décadas, principalmente os do PS, apregoaram como, nos últimos tempos, aumentou muito o número de doutorados em Portugal. A afirmação está correcta mas exige algum esclarecimento para que quem está longe destes assuntos não fique com a ideia de que Portugal não tinha, no antigamente, gente qualificada ao nível de doutoramento.

 

Durante muitos anos, o doutoramento não estava no percurso normal de algumas carreiras. Nos grandes laboratórios de investigação, iniciados em 1936, com a criação da Estação Agronómica Nacional (EAN), a progressão na carreira (paralela da carreira docente universitária) era feita por concursos. (Não estou a defender ou a atacar os sistemas então vigentes. Estou apenas a constatar factos.

Aliás, concordo com o sistema actual). Por estas razões, existiam, nessas instituições, pessoas de muito alto nível científico, bem para além do nível do doutoramento.

 

Mesmo nas Universidades, as admissões e progressão na carreira eram frequentemente feitas por convite ou por concursos, documentais ou de provas públicas. Muitos professores catedráticos e até reitores nunca tinham feito o doutoramento, embora tivessem nível muito superior ao de um recém-doutorado. O Eng.º Manuel Rocha, fundador e  primeiro Director do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), nunca fez o doutoramento. Recebeu mais tarde, merecidamente, o grau de Doutor Honoris Causa. Faleceu recentemente um professor catedrático do Instituto Superior Técnico, o Eng.º J. Delgado Domingos, que nunca fez o doutoramento, o que não o impediu de ser uma figura importante na ciência.

 

Em Espanha, o curso de engenheiro agrónomo era semelhante ao que havia em Portugal e exigia, após os cinco anos de cadeiras, uma tese de investigação original que levava, em média, três anos a completar. Quando a Espanha mudou esse sistema para um como o proposto pela Declaração de Bolonha, entregou o diploma de Doutor em Agronomia a todos os engenheiros agrónomos que tinham completado o curso com média igual ou superior a 14 valores. (As notas, em Agronomia, tal como em Portugal, eram muito apertadas).

Um professor catedrático de Agronomia de Espanha, Mateo Box, que esteve em Portugal como arguente num concurso, disse-me que ele tinha sido um desses casos.

 

Quando foram criados, em Portugal, os mestrados (que eu sempre considerei um erro), o Ministério convidou, através do Instituto Britânico, alguns professores da Universidade de Reading para virem “ensinar” a fazer esse grau. Vieram ver, não só as escolas de ensino superior, mas também as instituições de investigação científica onde se poderiam fazer teses de mestrado. Os de engenharia civil, além do Técnico, foram ver o LNEC. Dois de agronomia foram à EAN. O Prof. Watkin Williams foi ao Departamento de Genética, então da minha responsabilidade. O outro, cujo nome não recordo, foi ao Departamento de Pedologia. Durante a conversa, o Prof. Williams perguntou-me como era a tese que lhe tinham dito ser exigida até há pouco tempo para se ser engenheiro agrónomo. Disse-lhe que um pequeno número de teses, normalmente com uma classificação modesta, seriam aceites em Inglaterra como teses de mestrado. A grande maioria seria certamente aceite como teses de doutoramento.

 

Convidei esses dois professores para jantar e, em minha casa, durante a conversa, o Prof. Williams, que sabe espanhol, disse: "Estive na biblioteca da Estação Agronómica a ver teses e tudo o que vi eram boas teses de PhD” (doutoramento). Ouvi mais alguns comentários de estrangeiros no mesmo sentido.

 

Repito: Apenas pretendi que, ao referir-se o grande aumento do número de doutoramentos – que, aliás, também se verificou noutros países – não fique a ideia errada de que o nível de conhecimentos em Portugal seria muito mais baixo do que na realidade era.

 

Publicado no Público de 17 de Agosto de 2014

 

Miguel Mota

 

 

(*)http://www.casadasciencias.org/investigadores/mformacao.html

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