O MURO
“Ainda hoje, passados esses tantos anos que o tempo teve até aqui chegar, com os cabelos tão ralos e brancos, as artrites herdadas das noites de emboscadas com água até à alma, o verdadeiro manicómio dos medos e dasolidão; ainda hoje, esbarramos com impotência de quem nada sabe ou quer saber o que aquilo foi, e, por isso, de nada nos valeu, nada nos deu, em nada nos compreendeu. Para nós, sempre uma revolta. Essa revolta de não saber onde estamos bem, de querer porque já quisemos e não nos deixarem querer – a indiferença dos outros, os que não souberam entender os nossos silêncios é, foi e será a ausência de que mais dói – e choramos por dentro, para acalmar a solidão de luz fria de néon em que nos transformámos, acalmar esta vida de merda. Chamo incompreensão, a esse desajuste com a história recente deste país que não soube viver culpas nem parir culpados”.
António Valente Batista, "O Muro", ed. Glaciar, 2013
Francisco Henriques da Silva