O FILÓSOFO E O SÁBIO
Filósofo é pensador erudito; sábio é pensador popular.
* * *
Ainda criança, o filósofo saiu da aldeia serrana no Caramulo para ir estudar para Padre. Formou-se em Teologia, mas não tomou votos sacerdotais. Casou, teve filhos e eu sou o mais novo dos seus cinco netos. Percorria o mundo, mas todos os anos passava uns dias na aldeia.
O irmão sábio aprendeu a ler e escrever, mas deixou-se ficar toda a vida na aldeia. Sabia tudo sobre lavouras e plantios, mas o seu forte eram as macieiras.
Certa vez, sentaram-se à sombra a conversar e a comer maçãs. De cada vez que ao filósofo aparecia uma maçã já tocada, ele puxava do canivete, cortava a zona tocada e comia o resto da maçã. Pelo contrário, o sábio punha as maçãs tocadas num cesto ali ao lado para as dar aos porcos.
- Oh Augusto – disse o filósofo – então por que desprezas essas maçãs por só terem um ou outro toque?
- Oh Zé – respondeu o sábio – porque gosto muito de maçãs e tu, enquanto perdes tempo a preparar as maçãs já tocadas deixas que as boas envelheçam e acabas por nunca comer uma maçã verdadeiramente saborosa.
-Pois…
E assim os porcos comiam as maçãs preferidas pelo austero filosofo.
Novembro 2023
Henrique Salles da Fonseca
Nota final – Esta história foi-me contada pelo meu primo Eurico Tomás, também ele «globetrotter», neto do sábio e que, quando está em Portugal, mora na casa que foi do filósofo. As macieiras também são dele mas porcos já não há.