O COLAÇO DO REI
Do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa extraio que «Colaço» deriva do latim collacteus, -ei, que tanto é um adjectivo como um substantivo masculinos e que tem dois significados, a saber:
- Que ou quem, em relação a outra pessoa, foi amamentado ao mesmo peito, sem, porém, serem irmãos;
- Que ou quem é muito amigo ou muito íntimo de outra pessoa.
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Dada a definição, passemos à história…
O meu irmão, nascido em 1939, não chegou a conhecer a mãe que morreu na sequência do parto. Passado pouco tempo, com o aparecimento dos antibióticos, essa morte não teria certamente acontecido. E se nessa época, pós Pasteur, já havia cuidados de higiene, imagine-se o que seria a mortalidade antes dele. Era, pois, frequente que os mais pequenos problemas provocassem a morte da mãe, do filho ou de ambos.
Morta a mãe ou sobreviva esta mas sem leite e salva a criança, havia que encontrar ama de leite, tarefa nem sempre fácil mas não impossível. Entre casadas e solteiras em condição láctea, sempre aparecia quem quisesse ganhar uns cobres para amamentar filho alheio. Eis como duas crianças, não irmãs, eram amamentadas pela mesma mulher, eis que se lhes chamava colaços, do mesmo leite.
Contudo, a História registou outro tipo de circunstâncias em que um filho perdeu o leite materno e teve que passar a fonte alternativa. Foi o caso do futuro rei D. Sebastião que, nascido a 20 de Janeiro de 1554, se viu privado da mãe, D. Joana de Áustria cujo irmão, Filipe II de Espanha, a requisitou em Maio desse mesmo ano para que ela desempenhasse a regência de Espanha enquanto ele se deslocava a Inglaterra. Eis como a D. Sebastião, aos quatro meses de idade, tiveram que arranjar uma ama de leite.
Não consta dos meus registos o nome dessa lactante nem do filho que já traria ao colo na certeza, porém, de que este e D. Sebastião foram colaços.
Que tipo de relações teriam os colaços? Boas – cada um mamando de seu peito; de competição – ambos disputando o mesmo peito.
Então, aceitemos que se um era inequivocamente D. Sebastião de Portugal, o outro era o seu colaço, muito provavelmente de estirpe plebeia, sem nome de grandes pergaminhos, ficando conhecido por «o Colaço» com um ou dois «eles», neste caso, «Collaço» como a etimologia latina sugere.
Da história que me foi contada, resulta que D. Sebastião e o seu colaço, o tal Collaço, mantinham boas relações e que este acompanhou o Rei na expedição a Alcácer Quibir.
E a especulação continua com o Collaço (ou Colaço) a morrer em combate, o Rei a sobreviver e a trocar de identidade com o amigo morto.
Resultado: o Colaço a ser metido em caixão como se fosse o Rei; D. Sebastião a pôr-se a caminho de Tânger sob a identidade de Colaço.
Aqui, faço um intervalo na história que me foi contada para lembrar que o préstito fúnebre de D. Sebastião de Silves até ao Mosteiro dos Jerónimos foi constituído por uns quantos Cavalheiros nomeados pessoalmente por Filipe II de Espanha, I de Portugal, pelo que, agora, sou eu a especular sobre o que possa estar dentro da urna em que supostamente jaz D. Sebastião: o Rei, o seu colaço, os restos de um animal, um monte de lixo ou de pedras? Nada melhor do que abrir a tumba e ver. Para quê? Não para reescrever a História, obviamente, mas apenas para medir o caracter de Filipe II de Espanha. E só.
Retomando a especulação inicial, o Rei, sob o falso nome de Colaço, ter-se-á fixado em Tânger e tido descendência. Uns séculos mais tarde, um seu putativo descendente regressou a Portugal sob a identidade, entretanto oficializada, de Alexandre Rey Colaço, pai de Amélia Rey Colaço.
Donde se conclui que mais vale ser Rey Colaço do que colaço do Rei.
Oxalá apareça quem goste de estudos genealógicos e se decida a verificar até onde vai a imaginação nesta história que me foi contada por um não académico.
Outubro de 2019
Henrique Salles da Fonseca