NÓS, OS FILHOS DOS VENTOS CÁLIDOS – 3
Assim como, no naufrágio, Camões asiu o manuscrito d’ Os Lusíadas”, também nós segurámos o conceito do Bem.
Nem tudo se perdeu na frustração do sonho dos nossos pais. Assim foi que redigimos a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” e a dignidade regressou como valor fundamental da Humanidade.
De toda a Humanidade? Claramente, não!
Apenas no primeiro mundo, o do Ocidente (o da OCDE), porque no leste europeu (o 2º mundo) da esfera soviética (o do Pacto de Varsóvia) e na maior parte do resto do planeta (o 3º mundo), os direitos humanos continuaram a ser espezinhados. Mas nós, os ocidentais, “salvámos a honra do convento”. E alcandorámos o bem-comum à categoria de tema fundamental na discussão política no âmbito de um processo a que nos habituámos a chamar Democracia.
Nem tudo se perdeu, muito se ganhou. Um terço do mundo cumpriu o sonho; dois terços perderam-se nas vilanias.
E nós, por cá, em Ofiuza?
Cá, pela “terra da serpente”, tudo calmo, “quentinho”, em “banho maria”, de cueiros, em redoma de vidro, incubadora de Caminha a Timor…
Herdeiros de subdesenvolvimento crónico, tinham os nossos avós passado da Monarquia à República com inconcebíveis 90% de analfabetos adultos, passado pelo vexame da Grande Guerra em África e de carne para canhão inglês na Flandres; os nossos pais a serem protegidos dos flagelos directos da II Guerra Mundial mas a terem que se confinar a um modelo político monolítico que muito provavelmente não escolheriam. E por isso mesmo, podendo, nos puseram no ensino estrangeiro, esse que tinham por mais arejado.
A mim, coube-me o Liceu Francês em Lisboa.
Já conto…
(continua)
Maio de 2019
Henrique Salles da Fonseca