NÓS, OS FILHOS DOS VENTOS CÁLIDOS – 12
Eu às vezes temo ...
Eu às vezes temo que as pessoas pensem que o fascismo chega em trajes extravagantes usados por personagens grotescas e monstros como actores em peças teatrais nazis. O fascismo chega como se fosse um amigo, dizendo que restaurará a honra, fará sentirmo-nos orgulhosos, protegerá as nossas casas, dará empregos, limpará a vizinhança, lembrar-nos-á de quão grandes já fomos, escorraçará os corruptos, removerá qualquer coisa que nos incomode. Mas certamente não dirá que "O nosso programa significa milícias, prisões em massa, deslocação de populações, guerra”.
23 de Abril de 2014
Michael Rosen
Minha tradução a partir do original inglês em
https://michaelrosenblog.blogspot.com/2014/04/i-sometimes-fear.html
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«Uma vez que o velho Deus abdicou, governarei o mundo doravante» - assim apregoava Nietzsche, o pai do niilismo.
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A era niilista manifestou-se muito antes do que o filósofo imaginara: catorze anos depois da sua morte iniciou-se a Primeira Guerra Mundial e depois dela a Europa ficou nas garras do fascismo, do comunismo e do nazismo. E pouco tempo depois da primeira, sofreu outra guerra pior ainda que a anterior.
Desprezada a Civilização no que ela continha de valores perenes dando corpo à dignidade humana, a violência triunfou sobre a verdade e sobre a bondade. Dezenas de milhões de vidas foram aniquiladas sob o aplauso de dezenas de milhões de admiradores da violência. Sim, porque o niilismo só pode conduzir à ditadura, à violência e à aniquilação.
E como começou ele?
Perante o igualitarismo, todos têm razão, a ninguém é reconhecido o estatuto de sábio e tudo o que se apresente difícil é considerado antidemocrático; morto o conceito de que «o peso material determina o valor do oiro e o peso moral determina o valor do homem», a matéria reina e o dinheiro é a divindade suprema. Moral? A cada um, a sua.
- O que é bom para o oiro é bom para ti! Comercializa-te, adapta-te! Tudo o que te torna mais rico é útil; o que não for divertido é inútil e pode desaparecer.
Cada um que se valha a si próprio e os outros que «se virem» se conseguirem e, se não, tanto melhor pois mais fica para o vencedor entesourar.
Eis um conjunto de indivíduos que tudo fazem para vingar individualmente em prejuízo do próximo. A inveja ganha adeptos. Só que isto não é uma sociedade e muito menos uma Civilização. E onde não há coesão social, todos se sentem desamparados. Mas o desamparo é desconfortável. O desconforto gera a queixa e sempre acaba por conduzir à busca de soluções para se regressar a alguma situação assemelhável a conforto.
Assim se reúnem os ingredientes suficientes para que apareça um caudilho com promessas cujos méritos os desamparados não querem sequer questionar. E a ditadura, sempre radical, gera a violência e esta é a destruição.
Foi depois de muita desgraça que na tarde de 29 de Outubro de 1946, Albert Camus perguntou ao anfitrião André Malraux e ao grupo de outros convidados em que se destacava Jean-Paul Sartre – todos nascidos no niilismo e no materialismo histórico - se não achavam serem eles próprios, naquela sala, os maiores responsáveis pela falta de valores na Europa ocidental e se não estaria na hora de declararem abertamente que estavam errados, que os valores morais existem realmente e que doravante tudo fariam para restabelecer e clarificar esses princípios perenes e quiçá eternos. «Não acham que seria o princípio para o regresso de alguma esperança?»
E hoje?
Ah!, hoje, a História é a mesma que há muito Camus descreveu, a do triunfo do niilismo a que muito provavelmente se poderá seguir o fascismo. E isso, nós, os filhos dos ventos cálidos, não queremos. Cumpre-nos evitá-lo meditando…
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Com a História aprende-se, mas é preciso conhecê-la; quem não conhece a História, corre o risco de repetir os erros do passado em vez de os evitar.
E o que nos conta a História?
Conta-nos que à amoralidade se segue a brutalidade, à lassidão se segue o aperto, ao esbanjamento se segue a austeridade, à autocracia se segue a volúpia populista.
E se de todos estes parâmetros já temos que baste, atentemos nas soluções que se impõem:
- Reponhamos a formação política como missão essencial dos Partidos democráticos se não quisermos cair no fascismo;
- Ponhamos à prova o que cada Partido (democrático) entende ser o bem-comum se não quisermos continuar a entediar os cidadãos e a engrossar a abstenção;
- Reponhamos a ética da compaixão nas relações individuais e a de sentido de Estado nas relações colectivas se não quisermos cair nalguma sharia que nos seja imposta por estranhos radicais;
- Criemos uma democracia muito mais directa nos Partidos do arco democrático se não quisermos dar força ao populismo.
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Nós, os filhos dos ventos cálidos, nascidos na paz e criados no sonho, não estamos preparados para a queda de mais um ideal e já não temos idade para nos envolvermos directamente nas cenas de estalada brava se aí vier o fascismo, mas…
TENHO DITO!
(por enquanto…)
Junho de 2019
Henrique Salles da Fonseca