NATIVIDADE E A GENÉTICA – 2
Em 1937 Natividade apresenta uma outra valiosíssima contribuição para o conhecimento da cariologia da flora portuguesa (Natividade, 1937a, b), com o estudo de 9 espécies de Quercus e de três híbridos entre espécies desse género (Ver Quadro III).
QUADRO III
Estudos citológicos em Quercineas
(Natividade, 1937a, 1937b)
Número de cromossomas
2n n
Quercus suber..L.................................................................24 12
Quercus ilex ..L...................................................................24
Quercus lusitanica Lam........................................................24 12
Quercus fruticosa Brot.........................................................24
Quercus coccifera L.------------------------------------------------24
Quercus robur L..................................................................24
Quercus tosa Bosc...............................................................24
Quercus ilex x suber P. Cout.................................................24
Quercus cerris x suber.........................................................24
Quercus coccifera x ilex.......................................................24
Quercus sessiliflora Salisb....................................................24
Quercus montana Wild........................................................24
Natividade indica ter estudado duas variedades de Quercus lusitanica Lam., a faginea Lam. e a baetica Webb, hoje consideradas duas espécies diferentes, respectivamente Q. faginea Lam. e Q. canariensis Willd.
Em todas encontrou o número 2n=24 cromossomas, estudando nalguns casos a meiose, onde sempre viu 12 bivalentes. Algumas dessas espécies ainda não tinham sido estudadas e por isso o trabalho encontra-se citado no Atlas de cromossomas de plantas cultivadas publicado por Darlington and Wylie (1955).
______________________
*Embora no texto esteja, na página 201, este número correcto, na lista da página 200, certamente por gralha, vem indicado o número 12.
As mitoses foram estudadas em vértices radiculares obtidos por germinação das glandes e cortando a extremidade da raiz principal, de forma a induzir a formação de numerosas raízes laterais.
Os fixadores com base no tetróxido de ósmio, como o Flemming, o Benda, os vários de La Cour, considerados dos melhores para muitos materiais, mostraram-se inadequados.
Ensaiou outros, como o de Lewitsky e o de Navashin. Este, particularmente com a modificação introduzida por Bruun, sem ser ideal é o que se mostra melhor.
Quem se ocupou de problemas semelhantes - como é o meu caso - sabe o que exige, de trabalho, paciência e muita observação um estudo desta natureza. As técnicas usadas, após a fixação, eram a inclusão em parafina, corte - que Natividade indica à espessura de 6 μm, o que exige alto nível de qualidade - e coloração pelo violeta de genciana. Nos trabalhos para a minha tese de Engenheiro Agrónomo ainda usei essa técnica e sei, por experiência própria, o que ela implica de trabalho. Por isso compreendo bem o que Natividade exprime quando afirma: "...avaliar-se-á assim a quantidade enorme de material que foi necessário preparar
para a elaboração deste estudo"
Para as meioses incluiu as anteras em parafina para estudar, em cortes, as células mães do pólen (CMP). Surpreende-me a afirmação de que o fazia por "a grande espessura da parede das anteras tornar muito difícil a execução de esfregaços", pois desconheço que dificuldades possam apresentar as anteras do sobreiro.
Para este caso diz que as mais belas fixações foram obtidas com o fixador de Navashin, modificado por Karpechenko. Embora tenha utilizado também o fixador de Carnoy, os resultados não foram tão bons. Os cortes dos blocos de parafina eram aqui feitos a espessuras entre os 15 e os 25 μm, continuando a usar o violeta de genciana para a coloração dos núcleos e dos cromossomas em meiose.
Com as técnicas descritas os cromossomas não ficam direitos e na horizontal, no plano da lâmina do microscópio, mas em diferentes posições, normalmente oblíquas, ou mesmo encurvados. Assim, para se fazer uma medição correcta do comprimento dum cromossoma e da posição exacta das suas constrições, era necessário, no desenho à câmara clara, assinalar a cota a que se encontravam os diferentes pontos, o que se conseguia focando-os com o parafuso micrométrico e medindo neste o valor da profundidade Ainda utilizei, também, essa técnica laboriosa, hoje, pelo menos para a enorme maioria dos casos, tornada obsoleta com as metodologias de que dispomos e que nos oferecem metafases de estudo muito mais fácil.
Apresenta os cariótipos das espécies estudadas - os idiogramas, como então mais correntemente se dizia - assinalando as pequenas diferenças entre espécies.
A meiose foi estudada em duas espécies - Q. suber L e Q. lusitanica Lam. - tendo nas duas encontrado 12 bivalentes na metafase I.
* * *
Natividade teve a sua produção de trabalhos de Genética na década de 1930. Os seus estudos de pomologia, principalmente os de fisiologia, melhoramento e técnica agronómica das operações culturais, absorviam-no de tal forma que a genética praticamente deixou de beneficiar da sua actividade directa. No entanto – e isso reflecte-se em toda a sua obra – ela nunca deixou de nortear o trabalho nos outros campos E, assim, se a contribuição original mais importante no campo da genética é constituída pelos seus estudos citológicos, ela foi complementada com alguns outros trabalhos e a constante referência, pela importância que têm para o melhoramento, aos casos de poliploidia e aneuploidia, aos estudos da fecundação, às mutações somáticas, etc.
Em 1941 (Natividade, 1941) chama a atenção para os trabalhos realizados e em curso em variados países, mostrando estar bem familiarizado com o que se fazia no estrangeiro, mesmo em países que não conhecia directamente. Alem de várias instituições inglesas (John Innes, Long Ashton, East Malling) que visitou, refere o que se realizava na Alemanha, na Holanda, na Checoslováquia, na Itália, nos Estados Unidos, no Canadá, na Rússia, etc.
Deste último diz "A Russia possui 14 Estações de melhoramento, de genética e de citologia das árvores de fruto, e basta recordar o trabalho formidável realizado por Vavilov e pelos seus colaboradores para se ter uma ideia do desenvolvimento e da profundidade que estes estudos ali alcançaram".
Em certo ponto e a propósito das dificuldades e delongas do trabalho, desabafa dizendo que "O melhoramento das espécies fruteiras é uma ciência complexa, uma arte difícil e um labor enervante".
Desse mesmo escrito de 1941 respigo alguns pontos interessantes: "A complicada constituição genética das variedades cultivadas deriva de uma origem híbrida mais ou menos remota e da ocorrência frequente de poliploidia".
E, mais adiante: "O género Pirus é um género extremamente poliplóide. Apesar de nas Rosáceas o número básico ser 7, as variedades de pereiras, macieiras, nespereiras e marmeleiros a que chamamos diplóides possuem 34 cromossomas, e existem variedades culturais triplóides, das duas primeiras espécies, com 51 cromososmas".
"Recorre o melhorador à hibridação, às mutações de genes, à poliploidia, às alterações estruturais nos cromossomas seguidas da selecção, ou seja, afinal aos processos fundamentais por que as variedades se diferenciaram no decurso dos tempos".
"A genética, como disse Henrique Wallace, é uma ciência de colaboração com a natureza".
(continua)
Miguel Mota
Departamento de Genética e Melhoramento,
Estação Agronómica Nacional, Oeiras
e Universidade de Évora, Évora