NATIVIDADE E A GENÉTICA – 1
Penso não errar se disser que é do conhecimento geral que Joaquim Vieira Natividade foi um eminente engenheiro agrónomo especialista e investigador no campo da pomologia e um não menos eminente engenheiro silvicultor especialista e investigador no domínio da subericultura.
Mas creio que não serão muitos aqueles que conhecem em pormenor a sua obra e sabem, portanto, que durante uma parte da sua actividade, quase na fase inicial, o trabalho de Natividade se centrou, intensamente, no campo da Genética e, mais especificamente, no da Citogenética.
Como ciência central da biologia, a Genética não deixou de estar presente em todo o trabalho de Natividade, pois não há qualquer ramo da agricultura - que envolve a reprodução de organismos biológicos - que se possa desligar do mecanismo de controle da transmissão dos caracteres hereditários.
O tema que me propus tratar é, especificamente, a contribuição directa de Natividade como investigador de Genética, no domínio da pomologia e no domínio da subericultura.
Como procurarei mostrar, essa contribuição foi muito grande e fico a pensar o que teria sido a sua produção científica de Genética se, para usar palavras suas, não tivesse sido “empurrado pela vida para outros rumos”.
* * *
O primeiro grande trabalho em que Natividade publica estudos de Genética é a sua tese para o concurso para professor, intitulada "A improdutividade em pomologia. Estudo fisiológico e citológico" (Natividade, 1932).
É um trabalho de grande envergadura, que se tornou um clássico. E, naturalmente, um dos grandes capítulos da improdutividade, teria de ser o estudo dos cromossomas. Para esse estudo foi de grande utilidade a sua estadia em Inglaterra e o trabalho realizado na John Innes Horticultural Institution, perto de Londres, onde adquiriu excelente proficiência nas técnicas então utilizadas para observação dos cromossomas, em que aquela instituição era, ao tempo, uma das melhores do mundo.
Nesse trabalho estudou a cariologia de algumas pomoideas e prunoideas. Observou principalmente a meiose nas anteras, utilizando o método de fixação pelo Carnoy, inclusão em parafina, corte e coloração pelo violeta de genciana. Embora usasse os esfregaços, que nessa altura começavam a divulgar-se como método valioso, não parece ter tido com eles muito bons resultados. Só nalguns casos fez estudos de mitoses somáticas.
Nas pomoideas estudou as macieiras e as pereiras.
Na macieira (que designa por Pirus Malus L., hoje a Malus domestica Borkh.) estudou 13 variedades portuguesas em que observou sempre n=17 cromossomas e meiose regular. Nos casos em que pôde estudar tecidos somáticos verificou serem 2n=34. Considera estas variedades diploides. Mas em outras seis variedades encontrou 2n=51 cromossomas nos tecidos somáticos e uma meiose irregular, com existência de trivalentes e univalentes, que considera triploides.
Na pereira (Pirus* communis L.), estudou 12 variedades portuguesas com n=17, formando regularmente 17 bivalentes na meiose, e mais três variedades, Sete cotovelos, Leitão e Beurré Alexandre Lucas, com maior número de cromossomas, suspeitando que sejam triploides.
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* Natividade usa a forma latina Pirus. É, no entanto, recomendada a forma de origem grega Pyrus, aliás a que foi usada por Lineu.
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Em trabalho posterior (Natividade, 1935), não só confirma o número 2n=34 para as variedades diplóides, como determina para as triplóides 2n=51, como no caso da Beurré Alexandre Lucas, para a qual outro autor tinha indicado o número 2n=56.
À lista de 1932 adiciona agora mais seis diplóides e duas triplóides. No Quadro I apresenta-se a lista das espécies e variedades em que Natividade efectuou o estudo dos cromossomas. É um trabalho exaustivo, porquanto apresenta numerosas contagens, em espécies com cromossomas de muito pequenas dimensões, confirmando, em variedades portuguesas, números semelhantes aos que Darlington (1930) encontrara para outras variedades.
QUADRO I
Estudos citológicos em Pomoideas
(Natividade, 1932, 1935)
Número de cromossomas
n
-Pyrus malus
var. Melápio(2n=34)...................................................................17
Casa Nova de Alcobaça................................................................17
Bravo de Esmolfe........................................................................17
Tâmara......................................................................................17
Gronho......................................................................................17
Camoesa Fina.............................................................................17
Rei............................................................................................17
Cêrca........................................................................................17
Burro........................................................................................17
Sousa.......................................................................................17
Branco......................................................................................17
Pipo..........................................................................................17
Coimbra....................................................................................17
Carneira (2n=51)...........................................................mais de 17
Reineta.........................................................................mais de 17
Bemposta......................................................................mais de 17
Espelho.........................................................................mais de 17
Reguenga......................................................................mais de 17
Reineta parda................................................................mais de 17
-Pyrus communis
var. Amorim (2n=34).................................................................17
D. Joaquina...............................................................................17
Fita..........................................................................................17
Virgulosa do Fundão...................................................................17
Pérola.......................................................................................17
Carapinheira..............................................................................17
Rosa.........................................................................................17
Côxa de freira............................................................................17
Carvalhal..................................................................................17
Madalena..................................................................................17
Pigaça de Verão.........................................................................17
Marques Loureiro.......................................................................17
La France..................................................................................17
Van Mons (Léon Leclerc).............................................................17
Beurré de l’Assomption...............................................................17
Le Lectier..................................................................................17
Sete Cotovelos (2n=51)..................................................mais de 17
Leitão...........................................................................mais de 17
Beurré Alexadre Lucas....................................................mais de 17
Curé (Vicar of Winkfield).................................................mais de 17
Tiomphe de Jodoigne......................................................mais de 17
Beurré Alexandre Lucas..................................................mais de 17
Curé (Vicar of Winkfield).................................................mais de 17
Nas prunoideas estudou a amendoeira (Prunus dulcis (Miller) D. Webb), então denominada Amygdalus communis L. e que já foi Prunus amygdalus Batsch), o alpercheiro (Prunus armeniaca L.) e três variedades de cerejeira (Prunus avium L.), onde encontrou sempre o número de cromossomas n=8, observados na meiose.
Estudou também a nossa valiosíssima Raínha Cláudia, talvez a melhor ameixa do mundo, pertencente à espécie Prunus domestica, que é uma hexaplóide, com n=24 cromossomas e muitas irregularidades na meiose. E, aínda, a ginjeira Garrafal, que é um híbrido entre Prunus avium x P. cerasus, que verificou ser tetraplóide, com n=16 cromossomas*.
No Quadro II encontra-se a lista de espécies e variedades estudadas.
QUADRO II
Estudos citológicos em Prunoideas
(Natividade, 1932)
Número de cromossomas
n
- Amygdalus communis L.
var. Molar fina..............................................................................8
- Prunus armeniaca L.
var. Comum.................................................................................8
- Prunus persica (L.) Stokes
var. Branco-rosa...........................................................................8
- Prunus avium L.
var. Galega..................................................................................8
Vidrada.......................................................................................8
Saco...........................................................................................8
- Prunus domestica L
var. Raínha Cláudia.....................................................................24
- Prunus avium x P. cerasus
var. Garrafal...............................................................................12
(continua)
Miguel Mota
Departamento de Genética e Melhoramento,
Estação Agronómica Nacional, Oeiras
e Universidade de Évora, Évora