MUITAS E DESVAIRADAS GENTES – 8
Deixando Cochim para trás, voámos até Colombo, capital do Sri Lanka, num voo suave de pouco mais que uma hora.
E qual não foi o meu espanto quando vi ruas limpas, gente asseada, jardins públicos e mesmo faixas separadoras do trânsito ajardinadas. Ainda admiti que isto fosse para turista ver à chegada e que daí a pouco voltaria ao lixo, ao desmazelo público, à miséria. Mas não foi isso que aconteceu e o asseio manteve-se em todos os locais que visitámos durante os quatro dias que por lá andámos. E as pessoas são diferentes: dignas e não servis, orgulhosas mas não arrogantes.
Dada uma volta curta de autocarro por Colombo para ficarmos com uma ideia geral da parte baixa da cidade, almoço num hotel fronteiro ao porto marítimo cujo hall de entrada se chama «Taprobana» e eis-nos de volta à estrada a caminho de Kandy onde haveríamos de pernoitar depois de vermos o dente de Buda.
A fé não se discute, respeita-se!
Oração no Templo do Dente de Buda em Kandy
Dizem os budistas que dentro do relicário guardado no templo de Kandy se encontra o dente de Buda. E mais dizem que, no tempo dos portugueses, um Padre católico roubou o dente, o levou para Goa, o desfez num almofariz, soprou o pó e que o dente se refez miraculosamente regressando a Kandy.
Para um não budista, a viagem do dente de Buda de Kandy a Goa e regresso à origem tem outros contornos conforme li algures que já não identifico (mas que na época me inspirou confiança a ponto de recordar os traços gerais).
Assim, a relíquia terá sido efectivamente roubada do templo de Kandy por um Padre (espanhol?) que ali vivia em missão apostólica no séc. XVI (ou XVII?) transportando-o para Goa. O Arcebispo de Goa, português, terá ficado furioso com o roubo e intenção de destruição em almofariz pelo que determinadamente tomou posse da relíquia verdadeira fazendo-a substituir por um dente qualquer. Devolvendo a relíquia verdadeira ao templo budista de Kandy, fez destruir publicamente em Goa o dente substituto para que os crédulos cristãos acreditassem que assim se destruía o Budismo.
A ser verdadeira a minha versão citada de memória, os budistas podem confirmar a sua fé na relíquia que está fervorosamente guardada no templo de Kandy e nós, os não budistas, não temos nada que nos preocupar pelo facto de os budistas terem aquela relíquia como milagrosa.
Mais recentemente, os tigres tamil, ferozes independentistas do norte do Sri Lanka, fizeram explodir um carro-bomba à porta do templo de Kandy mas o relicário não foi beliscado no que foi considerado mais um milagre do Senhor Buda. Para esta salvação não tenho explicação mas felizmente a guerra civil acabou graças ao valor do General Sarat Fonseka e a vida continua...
Lisboa, 5 de Dezembro de 2015
Henrique Salles da Fonseca
(Jardim Botânico, Peradeniya, Sri Lanka, NOV15)