MUITAS E DESVAIRADAS GENTES – 14
A ilha de Capão (Vanxim, actualmente) no rio Mandovi era uma propriedade que a Igreja de Goa pusera à disposição dos agricultores locais que assim formaram há muito uma comunidade agrícola e piscatória. Mas em 2006, a proprietária dos terrenos (cerca de 8 hectares) decidiu vendê-los para que no local se fizesse um empreendimento turístico resultando deste modo que a comunidade agro-piscatória se passou a ver na contingência do despejo.
O Padre Bismarck Dias insurgiu-se contra a decisão da sua própria Igreja e liderou o movimento de defesa dos agricultores e pescadores da ilha.
Depois de também ter liderado a contestação a outros empreendimentos imobiliários, no dia 7 de Novembro de 2015 o seu corpo foi encontrado a boiar no rio Mandovi.
Não há quem convença os goeses de que se tratou de um acidente e os ânimos políticos estão bem acesos.
No dia seguinte à minha chegada a Goa, uma manifestação em Pangim exigindo o apuramento da verdade sobre a morte do Padre Bismarck foi alvo de uma acção policial que fez com que o Secretário-Geral de um Partido genuinamente goês fosse agredido com alguma violência. Dessa agressão policial ficaram registos em vídeo entretanto muito divulgados na Internet. Esse mesmo Partido procurou-me à noite no hotel para me alertar para o actual condicionamento da liberdade de manifestação em Goa e para o que consideram o atropelo dos direitos dos cidadãos por parte da corrupção. E, dizem, se o resto da Índia está nas mãos da corrupção, eles, goeses, não querem que isso aconteça a Goa.
Na minha qualidade de estrangeiro, tenho que ter muito cuidado para que não se diga que estou a intrometer-me nas decisões internas de um Estado soberano mas contar estas realidades de que a televisão local fez enorme eco, não me parece que seja intromissão. Dá-se a circunstância de vivermos actualmente na «sociedade de informação» e de as redes sociais não estarem submetidas a eventuais lobbies dos grandes meios da comunicação escrita, da rádio ou da televisão. O mundo já não é como era até há muito pouco tempo e é impossível calar as gentes. As gentes vieram falar comigo e eu relato o que elas me disseram para que se saiba que recaem dúvidas sobre a transparência da actual política goesa. Mais: vieram pedir-me que divulgue os seus temores quanto à segurança física que correm ao contestarem as iniciativas de que discordam.
É para mim óbvio que é a qualidade da política goesa que está em causa, ou seja, dá para questionar se não será a democracia que está a ser cilindrada por quem não tenha escrúpulos.
Mas, agora sim, meto a foice em seara alheia e culpo os goeses de emigrarem deixando a sua terra à mercê dos imigrantes que assim invadem e destroem a cultura de Goa. Agora é a vez de o Governo do Estado (comandado a partir de Delhi pois é do mesmo Partido que o do Governo da União, o BJP) mudar o nome das cidades como se prepara para fazer com Vasco da Gama substituindo-lhe o nome por outro que nada diz aos locais.
Mas se os goeses emigram, como se pode defender a cultura goesa contra a invasão?
Os goeses na diáspora dizem que a culpa é dos que lá ficaram – a culpa morre sempre solteira – mas é muito triste ver-se uma Nação a cometer suicídio.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2015
Henrique Salles da Fonseca
(à porta da Sé de Goa)