MUITAS E DESVAIRADAS GENTES – 13
Quando há oito anos estive em Goa pela primeira vez, não consegui visitar o meu amigo mais antigo naquelas paragens – e certamente dos mais ilustres – o Padre Joaquim Loiola Pereira, Secretário do Patriarca do Oriente e Arcebispo de Goa, mas desta vez não me permitiria nova falta e, portanto, troquei as voltas ao guia turístico e fui mesmo ao Paço Patriarcal.
P. Joaquim Loiola Pereira
Sem aviso prévio, apresentei-me no hall de entrada e o porteiro, amável mas sem saber quem eu era nem ao que ia, indicou-me prontamente a sala no primeiro andar e apontou-me a escadaria como se eu fosse o enviado de algum Arcanjo. Evidente falta de segurança. Fiquei depois a pensar que o dito porteiro, algo idoso, já tinha poderes especiais depois de tanto tempo próximo da espiritualidade conseguindo distinguir os bons dos malandros só olhando para a cara de cada um. Ou será que me viu a aura e que ela é azul?
Paço patriarcal de Goa
Subi as escadas, virei no sentido indicado pelo porteiro e a porta do gabinete do meu amigo estava aberta e ele sentado à secretária ao lado da janela. Anunciei-me com um toque na dita porta aberta e logo o Padre Loiola, de sotaina branca, me reconheceu e me abraçou. Parecia que tínhamos acabado de conversar na semana anterior e que retomávamos a conversa com o entusiasmo em que a deixáramos antes. E falámos de tantas coisas e não falámos de tantas outras que, não há dúvida, teremos conversa para os próximos decénios...
Contei-lhe da visita que acabara de fazer ao Sri Lanka e da minha tentativa de localização do túmulo de S. José Vaz. Busca infrutífera, aliás. Então, o Padre Loiola contou-me que ele próprio e um colega tinham sido encarregues pelo seu Patriarca de irem a Kandy para tentarem identificar o túmulo do primeiro Santo genuinamente goês.
Deslocando-se num carro com motorista da Diocese de Colombo e acompanhados de um Padre diocesano cingalês, lá foram até Kandy onde pararam em frente do Templo do Dente de Buda, local onde consta que S. José Vaz foi enterrado. Mas o Governo cingalês decidira demolir a igreja que ali se situava (e onde estaria a sepultura do Santo) para construir uma Esquadra de Polícia e qual não foi o espanto quando foi descoberta uma sepultura e um esqueleto. Foi então com enorme entusiasmo tanto das Autoridades civis como religiosas (católicas, claro!) que se procedeu a tudo o que era possível para identificar o esqueleto. E qual não foi o desânimo quando se concluiu que aquele esqueleto não era o do Santo.
História interessante, sem dúvida e que não se conclui enquanto não for descoberto o esqueleto que todos procuram afanosamente. Mas o mais curioso está no que o Padre Loiola contou de seguida: tanto o motorista como o Padre, ambos cingaleses, mesmo dentro do carro, falavam em surdina nas cercanias do local em que a tradição aponta como o da sepultura para não afligirem os espíritos que por ali possam vaguear. É fantástico como dois católicos militantes, um deles Padre, possam estar imbuídos de crenças tão sentidas sobre a presença de espíritos vagantes que se possam afligir com alguma voz mais sonante que ande em busca dos restos físicos de outro espírito, amigo dos potencialmente aflitos.
A busca continua mas, pela graça divina, sem ofensa para os espíritos vagantes.
E a conversa continuaria se os meus companheiros de viagem não tivessem telefonado lá de baixo, do hall do Patriarcado, a dizer que estavam fartos de esperar.
Logo o Padre Loiola me acompanhou até junto do autocarro e, na pressa das despedidas, esqueci-me de fazer a foto que aqui falta.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2015
Henrique Salles da Fonseca
(num templo indú algures em Goa, NOV15)