MUITAS E DESVAIRADAS GENTES – 12
Foi ao pôr-do-sol que o avião levantou as rodas no ar de Colombo e passadas duas horas e picos as poisou no chão de Bombaim. Escala um pouco mais demorada do que nós queríamos pois houve que formalizar a entrada na Índia e mudar de terminal dos voos internacionais para o dos voos domésticos. Novo voo de um pouco mais de uma hora e eis-nos chegados à Goa doirada. Mas entretanto eram quatro da manhã e o oiro estava recolhido. Foi através das vias de breu que chegámos ao Hotel Forte Aguada pelas seis da manhã, nos metemos na cama como se regressados de grande farra e nos «ferrámos» a dormir até às quinhentas.
Quando acordámos, ainda meio baralhados pelas desoras, tomámos um brunch e decidimos que os horários estavam repostos. Mentira! Ainda precisámos de mais umas horas para nos considerarmos «à la page» com a vida em Goa.
Esta foi a nossa (da Graça e minha) segunda visita a Goa mas os nossos companheiros estavam lá em estreia. Assim foi que organizámos uma visita guiada a Velha Goa num dia e a Margão no outro dia.
As agências de viagens têm programas standardizados e baralham-se quando um cliente lhes troca as voltas. Mas, na verdade, havia coisas que eu queria ver em especial e outras que nada me diziam enquanto que para os meus amigos estreantes tanto lhes fazia irem para a direita como para a esquerda já que para eles tudo era novidade.
A visita a Velha Goa e ao túmulo de S. Francisco Xavier é um must indiscutível pelo que lá fomos com todo o interesse. E mais uma vez me admirei com a religiosidade daquelas gentes. Nestas minhas diversas viagens ao Oriente, dou por mim a pensar que os orientais são muito mais religiosos do que nós, os ocidentais. É claro que nós, os de cá, temos passado por um longo processo de laicização enquanto que os de lá continuam a sentir necessidade de entregarem a sua fé a um Ser Superior que lhes atenue as agruras terrenas. Julgo por vezes que tanto lhes faz entregarem-se aos cuidados de Vishnu como aos de Buda ou de Cristo. O sacerdote mais próximo e mais convincente é por certo o que ganha a fidelidade da ovelha carente. Enquanto os nossos missionários pregadores por lá andarem, tudo bem; mas ao mais ligeiro deslize ou abrandamento do apostolado, logo os fiéis se escaparão para outros rebanhos. E digo isto porque visitei templos indús, budistas e cristãos e em todos vi uma religiosidade fantástica, comovente mesmo, por parte de gente sem formação religiosa especial, por certo totalmente ignorante das mais ou menos refinadas catequeses dessas religiões ou em quaisquer outras. Mas todos com fé. E muita.
O túmulo de S. Francisco Xavier na Basílica do Bom Jesus, em Velha Goa, é um centro de peregrinação de primeira grandeza na fé católica indiana. A veneração dos fiéis é impressionante e há mesmo quem durma nos claustros de uns dias para os outros à espera de celebrações especiais.
Mas dentre todas as igrejas monumentais que ali existem, só a Basílica do Bom Jesus e a Sé estão religiosamente activas. Mesmo assim, apesar de Velha Goa ter sido no séc. XVIII substituída por Pangim (Nova Goa) como capital do Estado, ainda ali vivem cerca de 6 mil pessoas. A fazer o quê? Pois isso mesmo: a viver.
(continua)
Lisboa, 10 de Dezembro de 2015
Henrique Salles da Fonseca
(frente ao Arco dos Vice-reis, Velha Goa)