MUITAS E DESVAIRADAS GENTES – 1
Sim, o título é de inspiração medieval no sentido de que então se considerava desvairado todo aquele que agia segundo padrões diferentes dos do observador. E nesta viagem, para além de muita, vi gentes desvairadas.
Saídos de Lisboa rumo ao Dubai (nesta que era então a minha terceira passagem pelos Emiratos Árabes Unidos), logo vimos homens de bibes brancos compridos até aos pés e mulheres completamente tapadas de vestes negras que nem os olhos mostravam. Não me preocupam os bibes brancos dos homens. Se gostam de se apresentar em tais preparos, o problema é deles mas os resultados são penosos à nossa vista desprevenida quando saem dos locais em que se aliviaram e, não sabendo utilizar os apetrechos ocidentalizados que as casas de banho disponibilizam, encharcam as ditas vestes e exibem particularidades que qualquer um de nós, homens, dispensaria testemunhar. Quanto às vestes femininas – suponhamos que estão mulheres sob tanta negritude – essas, sim, preocupam-me. E, para além de me preocuparem relativamente à comodidade de quem assim é coberta, revoltam-me a ponto de afirmar que só farei as pazes com o Islão quando os seus crentes reconhecerem à mulher um estatuto de dignidade semelhante à do homem. Não perco tempo com argumentos teológicos (que sei serem infundados com base mesmo na interpretação literal do Corão), apenas peço que esses boçais deixem as mulheres respirar livremente. Só isso e nada mais, por enquanto, antes de esperar pelos resultados da exegese da Escritura Sagrada islâmica actualmente em curso apenas na diáspora sob pena de perigo de vida a quem a realize localmente.
Quanto às gentes ocidentalizadas, por naturais à nossa vista, não dá para tecer reparos. E já são a maioria. Mas isso é pelo lado de fora; não falei com ninguém o suficiente para descortinar o que lhes vai por dentro. Mas adivinho: os homens, indiferentes; as mulheres, em campanha «pro dignitate».
E dali rumámos a Chennai, na Costa do Coromandel, ou seja, a costa oriental da Índia. Voo sem história durante cerca de quatro horas, o que parece salto de pulga perante as oito horas bem esmifradas amiúde a mais de mil quilómetros à hora de Lisboa ao Dubai.
Bem preveniam os Serviços Meteorológicos de que por aquelas bandas chovia. Mas nós achávamos que era engano pois a época das monções já acabara. Pois! Naquela zona há a chamada «pequena monção» durante os meses de Outubro e Novembro em resultado de os ventos da monção normal esbarrarem já secos nos Himalaias, fazerem ricochete voltando para Sul e humedecendo-se progressivamente enquanto percorrem o Golfo de Bengala até ao Sri Lanka encharcando então quase todo o Tamil Nadu. E nós estávamos lá para levar com todo aquele chuveiro a bem mais de 30º centígrados.
A nossa viagem começou em Chennai, atravessámos durante uma semana todo o Tamil Nadu, entrámos no Kerala e fomos até Cochim. Daí, voámos para Colombo, no Sri Lanka, viajámos até Kandy, o grupo voou de Colombo ao Dubai e daí a Lisboa mas nós prolongámos a viagem até Goa, a Dourada.
(continua)
Lisboa, 30 de Novembro de 2015
Henrique Salles da Fonseca
(Velha Goa, Arco dos Vice-Reis, Novembro de 2015)