MOMENTOS ESPECIAIS - 1
Surpreendido amiúde pela abundância da minha própria ignorância, dou por mim a fixar momentos que poderiam passar despercebidos no turbilhão da vida.
Assim, fiquei há relativamente pouco tempo a saber que no Budismo os templos são locais votados a um defunto a quem se reconhece grande relevância espiritual – equivalente aos nossos Santos – onde se pede alguma coisa ao orago para a vida actual; os pagodes são dedicados apenas a Buda e neles se confessam intimamente os pecados na esperança de, na próxima vida, se reencarnar num estatuto superior ao da vida actual.
Em Chiang Mai, no norte da Tailândia, coube-me visitar um templo e ali fui surpreendido pela imponência das árvores mais altas que alguma vez vi nestes 70 anos que levo de ver (lastimavelmente fora da imagem que publico); mas mais surpreendido fiquei quando o guia referiu a particularidade de o orago daquele templo estar em vias de chagar a um dos patamares mais elevados da hierarquia espiritual, ou seja, «a pouca distância do nível mais elevado, aquele em que se encontra o espírito do Senhor Buda». Não perguntei como é que se sabe que o espírito de um defunto está num determinado patamar mas o que me espantou – e aí, sim, centrei a minha curiosidade - foi o facto de o respeitoso título de «Senhor» ser absolutamente terreno, nada semelhante ao nosso conceito transcendente de Messias e muito menos de Deus. Apenas «o Senhor Buda» como poderia ser o tratamento – obsequioso, claro - a qualquer outro mortal.
Foi esta a primeira vez que me dei conta de que o Budismo pode ser tido como uma filosofia e não tanto como uma religião. Que não era uma religião revelada como as «do Livro», já o sabia mas que o Senhor Buda nada tivesse de sobrenatural e disso se arrogasse é que para mim foi novidade. E isto não obsta, contudo, a que não haja budistas (seguidores da dita filosofia) com poderes mediúnicos e que se encontrem e interajam mais ou menos amiudadamente com «almas do outro mundo». Por exemplo, o misticismo budista (tibetano, sobretudo) enquadra as visualizações, a viagem astral, a hipnose, a mediunidade, a telepatia, a levitação, práticas para que não invoca o Senhor Buda; já quanto à clarividência essa, sim, é domínio dos ensinamentos de Buda. Mais: algumas destas práticas foram herdadas dos «bons», os da religião que existia no Tibete antes da chegada do budismo. O Senhor Buda é sobretudo o mais sublime Mestre que ensina o caminho para aquilo que os budistas consideram ser a clarividência perfeita. A espiritualidade budista é, pois, paralela aos ensinamentos do Senhor Buda, não é essencial a estes mesmos ensinamentos.
(continua)
Julho de 2015
Henrique Salles da Fonseca
(frente a Angkor Wat, Siem Rep, Camboja)