MOÇAMBIQUE REVISITADO – 8
Passados 32 anos, lá estava, ali mesmo à nossa frente, a famosa «árvore de Natal», um dos grande reflectores de radar que delimitavam o canal de navegação desde a entrada na baía de Lourenço Marques até ao cais comercial e de passageiros frente à baixa da cidade. E o dia, límpido, mostrou a outra margem da baía, a Inhaca, onde, há tantos anos eu fora de avião passar o dia com a Guida, a Teresa e o Nixa (António) Lacasta. Mais à esquerda e bem mais perto, a Xefina, aquela ilha presídio militar cuja guarda mais eficaz era constituída por vorazes tubarões. Ali mesmo à direita, no cimo da arriba pela qual o nosso hotel se deixava descer, o «Prédio Horizonte» em cujo 6º andar eu morei durante o meu período moçambicano já como civil (ver foto da crónica anterior, o prédio mais alto no canto superior direito da imagem).
Dadas as explicações à Graça, desfeitas as malas e refrescada a cara, estava na hora de irmos dar um giro pela cidade. Mas havia que trocar Euros por Meticais.
No próprio hotel o fizemos e lembro-me perfeitamente da conversa que tivemos com o bancário para além da cotação que já esqueci, que estava afixada e não era discutível:
- Quanto acha que devemos levar para um dia na cidade, incluindo almoço, um táxi para baixo e um táxi de volta?
- Ah! Para aí uns 6 milhões devem ser suficientes mas na baixa há muitos bancos onde podem cambiar mais se for necessário.
Caramba! 6 milhões era um volume enorme em qualqueer bolso que chamaria muito a atenção de qualquer gatuno. Distribuídos os milhões todos por tudo quanto era esconderijo, lá nos fizemos à rua com a informação de que se tratava duma cidade relativamente segura mas, claro que seria conveniente a Senhora não exibir muitas jóias verdadeiras ou de imitação. Tudo bem, a Graça já tinha decidido deixar no quarto essas decorações pelo que o problema não se colocaria. E não se colocou. Nem esse problema nem qualquer outro: o dia correu lindamente e já conto um episódio ou outro.
Mas, antes disso, fiquei a pensar no valor do Metical. Como foi possível aquela moeda chegar tão baixo? Estamos a falar dum país com economistas ilustres colocados em lugares tão importantes como Governador do Banco Central, como Ministro das Finanças, como Vice-Primeiro Ministro e como Primeiro Ministro. Não estamos a tratar de uma moeda sujeita a vilanias típicas de déspotas ignorantes. Bem sei que tudo teve que ser feito a partir do zero quase absoluto pois o «ouro dos magaíças» voava rapidamente para Lisboa de cada vez que chegava «do John». Mas, entretanto, esses vôos já tinham acabado havia uns anos, o turismo retomara alguma importância, as exportações de caju nunca tinham cessado por completo, com o país já sob a presidência de Chissano e com o Acordo de Paz já em vigor entre a Frelimo e a Renamo, não tinha havido convulsões no seio do grupo de países doadores nem no FMI. Porquê, então, um câmbio tão baixo para não dizer vergonhoso?
Pelos vistos, o «rombo» provocado pela guerra civil fora maior do que eu imaginara, a emissão monetária poderá nessa época não ter sido tão conforme às regras que aprendemos nas escolas de economia, o desequilíbrio do comércio externo durante esse período tão conturbado não ajudou à «festa», etc. E como estávamos longe do gamanço das dívidas ocultas! Eu creio que naquela época, o país tenha sido gerido o melhor que as circunstâncias permitiam mas os gatunos já deviam andar a espreitar e a fazer das suas como se viu depois. Mas naquela época isso era futuro e gente séria não pensava nessas coisas.
Entretanto, talvez seja bom para todos nós que apareça quem saiba mais do tema e venha aqui explicá-lo.
Aguardemos…
Amanhã há mais.
Agosto de 2019
Henrique Salles da Fonseca