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A bem da Nação

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 13

Batucada forte a soar por toda a parte, a chamar para o jantar e nós já casually dressed for dinner, lá fomos pelo passadiço bem alto, ao nível das copas das árvores. Passarada na chilreada de arrumar os ninhos para a noite que não tardava; nada de macacos. Destes, viemos a saber que, contra os nossos receios iniciais, não havia. Como os pássaros, teríamos as noites mais tranquilas sem macacos pelas redondezas.

E chagámos à porta do batuque que só parou quando nos perfilámos à espera que nos mandassem entrar. Ficámos a saber que hóspedes novos vencem batucada até chegarem à sala de jantar.

Todos os batuqueiros se puseram à nossa frente com sorrisos abertos de orelha a orelha e mãos postas ao estilo oriental em cumprimento de boas vindas. O que claramente era o chefe de sala, tomou a iniciativa de nos conduzir a uma mesa e de nos informar (já o sabíamos por no-lo terem dito no check in) que eramos os primeiros clientes portugueses do Marlin Lodge e que eles, os funcionários, teriam o maior gosto em nos servir da melhor maneira de que fossem capazes. Mas ele, o chefe, estava com um problema pois todos os outros nos queriam servir e ele não sabia como devia proceder. Ao que logo lhe agradeci o modo como nos estavam a receber e sugeri que, sendo os outros, 6 empregados de mesa, ele que escalasse dois para o pequeno almoço, outros dois para o almoço e os restantes dois para o jantar. No final, eu trataria todos por igual. E assim foi que tudo correu às mil maravilhas, com a particularidade de quatro deles se chamarem Fernando.

Por portas e travessas ficámos a saber que a gorjeta final que demos a cada um (não fomos nessa do bolo geral pois nunca se sabe quem parte e reparte…) correspondeu quase a um mês de salário. Não, a nossa generosidade não foi excessiva, o salário deles é que era muito baixo. Mais nos disseram que trabalhavam 45 dias consecutivos e folgavam sete dias no continente.

Ainda eles não imaginavam qual seria a dimensão da nossa generosidade e quando, num jantar ao ar livre na praia com espectáculo do folclore da região, caiu uma chuvada que não constava do programa, nós fomos os primeiros a ser acudidos na trasfega do nosso jantar para debaixo de telha e os outros clientes… não ficaram tão secos como nós.

De manhã, deixávamo-nos ficar pela praia do Robinson Crusoe dando umas braçadas e tentando espreitar algum manatim. Braçadas, sim; mas de manatins, nem a sombra. Deviam estar com os leões de há 32 anos. De tarde, habitualmente íamos de jeep dar uma volta pela ilha que não é tão pequena como de início imaginávamos. Habitada escassamente por quem se dedica à economia de subsistência tanto na agricultura como na pesca, só recentemente teriam tido contacto com a economia monetarizada. As duas unidades hoteleiras existentes devem ter passado a ser bons clientes de peixe e talvez mesmo de quaisquer outros comestíveis.

O sereno canal entre o continente e as ilhas sobre o qual se debruçava a escada da nossa cabana, parecia o «lago do Campo Grande» mas na outra costa da ilha, a de nascente, o mar aberto dava que contar. E era precisamente para aí que iam os que se dedicavam ao big game fishing, à caça submarina e mais outras tropelias aquáticas que nem sei contar. E aí, sim, havia «dentuças» em barda. Mas enquanto lá estivemos, não faltou ninguém ao jantar por ter sido ele o jantar de algum tubarão.

Pesca desportiva Moçambique.png

32 anos antes, o então Presidente da Câmara Municipal de Nampula, desapareceu num desastre no canal entre o continente e a Ilha de Moçambique quando o seu barco de recreio se voltou; o companheiro de pescarias sobreviveu e disse mais tarde, quando saiu do estado de choque, que momentos antes do desaparecimento do Presidente, nunca vira um tubarão tão grande. Eu próprio vi nesse mesmo canal duas barbatanas dorsais a uma trintena de metros da ponte cais desactivada da Ilha.

E nunca esquecer que o tubarão ataca de frente abrindo a bocarra como os aviões de carga, não precisa de se virar de lado, não precisa de muita água, basta-lhe aquela em que molhamos as canelas.

E assim foi que, passada uma semana, amarinhámos já não sei como para dentro do barco que estava encalhado na praia à nossa frente, regressámos ao continente, demos uma volta por Vilanculo e nos dirigimos ao aeródromo local.

Amanhã, o inesperado.

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

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