MOÇAMBIQUE REVISITADO – 11
Durante a minha estadia em Moçambique de Abril de 1971 a Julho de 1974 andei à procura de leões mas…
… certa vez, passando um fim de semana na Ilha de Moçambique, ouvimos dizer que estava um leão na praia do lado do continente à sombra da ponte. Meti-me no carro com quem mais nele cabia e fomos até lá. Quando lá chegámos, vimos-lhe o rasto fecal e nada mais. Até se poderia dar o caso de estar ali bem perto de nós, oculto pelo capim e essa a razão pela qual sugeri às minhas amigas que se deixassem de aventuras no mato e não pensassem sequer em abrir as portas do carro. Mais: que tivessem a mão nos manípulos das manivelas dos vidros não fosse necessário fechá-los mais rápidamente do que o calor nos sugeria. Eu sabia que aquela era zona de leão pois uns tempos antes da minha chegada a África, os banhistas na praia das Chocas (onde Vasco da Gama fez aguada para seguir viagem até Quiloa) ter-se-ão visto encurralados entre os tubarões quase na areia e os leões junto dos automóveis estacionados no parque sobranceiro à praia.
Nunca mais ouvi falar da presença de leões até que na grande viagem de Nampula a Lourenço Marques fomos três vezes à chamada «casa dos leões» na Gorongosa e só lhes vimos os ditos rastos acima referidos.
Já como civil, decidido a regressar a Portugal depois do «glorioso», pensei que seria uma vergonha chegar a Lisboa e ter que confessar que estivera aquele tempo todo em África sem ver um leão. De nada serviria garantir que os ouvia todos os dias rugir à hora das refeições no Jardim Zoológico ali mesmo ao lado do «meu» Centro Hípico. Então, para não passar por um vexame a-leónidas, apeei-me do cavalo, meti-me nos calcantes, paguei bilhete de visitante e entrei no Jardim Zoológico de Lourenço Marques para finalmente ver um leão em África. E lá estava o casal que eu todos os dias ouvia à hora das respectivas refeições.
Lembro-me de ter dito a quem se foi despedir de mim junto das escadas do portaló do «Infante D. Henrique» que conseguira mesmo ver leão em África, o que nem todos eles tinham ainda conseguido. Mas não lhes disse do Zoo pelo que só agora, se lerem estas linhas, o ficarão a saber.
Passados 32 anos, estava decidido a ver leões em liberdade e não mais num zoo. Essa, a razão da ida ao Krueger Park, na África do Sul, ali mesmo junto da fronteira e apenas a 111 quilómetros de Maputo.
E assim foi: minibus só para nós à porta do Polana que a meu pedido foi em viagem de passeio até ao destino (por uma estrada nova e boa que substituiu a vergonha do nosso tempo a que me referirei noutra crónica) para poder matar saudades; uma hora e picos depois, formalidades de fronteira que me fizeram lembrar que a União Europeia é «outra loiça»; mais meia dúzia de quilómetros e entrámos no Parque; alguns quilómetros depois e eis-nos a entrar no recinto do Hotel Pestana junto do Crocodile River, afluente do Limpopo.
Três dias de bicharada de manhã à noite e mesmo pela noite dentro para vermos os noctívagos. E destes, os leopardos, nada vimos porque o frio era tanto que a trintena de turistas na camioneta (ficámos então a saber que eramos todos portugueses e que tínhamos feito figura de parvos ao falarmos uns com os outros em inglês até então) deu ordem ao motorista que deixasse os leopardos tranquilos e nos pusesse de novo no hotel.
Regresso a Maputo pela mesma estrada e num minibus equivalente mas de matrícula sul africana, o que não me preocupou absolutamente nada porque as formalidades de fronteira foram (ou nos pareceram) menos morosas.
Do lado sul africano, agricultura por toda a parte até aos arames que demarcam a linha de fronteira com óbvia excepção da área pertencente ao Krueger; do lado moçambicano, «África minha».
Chegando ao hotel, tínhamos o meu amigo Sebastião à nossa espera. Conhecera-o em Lisboa durante o exílio a que ele se viu forçado por incompatibilidade com o comunismo mas regressara depois do Acordo de Paz assinado em Roma. Convidado a entrar, preferiu convidar-nos para sua casa. Lindamente recebidos pela sua família que eu já conhecia de Lisboa, quis honrar-me e beneficiar-me oferecendo-me um bastão de madeira bem polida que parecia uma bengala. Mas não era uma bengala e era suposto não só simbolizar o poder de quem o possuísse como também… algo mais que ele não especificou. Ficámos, a Graça e eu, a imaginar que haveria por ali… o quê???
Jantar no Polana, um show qualquer igual a todos os outros que se vêem no resto do mundo e cama pois no dia seguinte voamos para Vilanculos e Arquipélago do Bazaruto.
Amanhã há mais.
Agosto de 2019
Henrique Salles da Fonseca