MOÇAMBIQUE REViSITADO – 7
A causa do desenvolvimento foi traída de várias formas. A cada um a escolha do seu traidor.
Traídos, havia que salvar os dedos deixando ir os anéis. Regressei a Lisboa.
Desembarcado, colaborei activamente na criação da democracia pluripartidária, criei estabilidade profissional, casei, tivemos duas filhas e quando elas já estavam encaminhadas, foi altura de rever Moçambique.
Foi numa conversa informal que, por mero acaso, disse ao Francisco Lucas Pires que ia rever Moçambique e logo ele me respondeu que uns tempos antes tinha ido a Angola (já com José Eduardo dos Santos) e a Moçambique (ainda com Samora Machel) onde vira duas realidades completamente diferentes. E descreveu-as de modo bem sintético: em Luanda, os prédios estavam todos degradados; em Maputo, depois da devolução dos prédios aos proprietários que regressavam, o parque imobiliário estava em vias de recuperação; em Luanda, com os preços definidos por decreto, não havia nada nas prateleiras das lojas; em Maputo, com a liberalização dos preços, uma couve podia ser cara ou mesmo muito cara mas estava na banca do mercado municipal para que alguém a comprasse.
Não tencionava ir a Angola e não fui mesmo. Voámos directamente de Lisboa a Maputo num vôo de 10 horas.
Descolando para Sul, sobrevoámos Setúbal, rumámos a Sevilha e daí a Argel onde já era noite. Vôo sem história, amanheceu quando entrávamos pelo norte de Moçambique e aterrámos com manhã aberta em Maputo. Esperava-nos o transfer do Hotel Polana. Estava tudo nos mesmos sítios em que eu tudo tinha deixado 32 anos antes mas com mais gente ao longo das avenidas e ruas por que íamos passando. Os nomes das ruas é que deviam ser diferentes mas como os de antigamente pouco ou quase nada me diziam, não me preocupei em conhecer a nova toponímia maputense (ou será maputana?). O motorista que conduzia a dúzia de «transferidos» foi-nos avisando de que os funcionários municipais da recolha dos lixos estavam em greve e que não nos admirássemos se víssemos a cidade suja. Alertado, olhei e não vi a cidade especialmente suja. Vi, sim, montes de lixo a encher e à volta dos contentores e a leitura que fiz foi a de que a população juntava ali o lixo, não o deixava a esmo. Nota positiva para a população; registo de que a greve era legal.
Chegados ao destino, foi com emoção que vi o «meu» Polana a reluzir, igual ao que era quando eu por ali andara. Entrámos e tudo reluzia como antigamente. Fizemos o check in para o Polana Mar e ao atravessarmos o jardim da piscina, eis-me a regressar a 32 anos antes. Só as pessoas eram diferentes, não reconheci ninguém. Por que seria…??? Até que, já a entrar no hall das escadas que desciam da piscina para o Polana Mar, ouvi chamar -Doutor! Doutor! Era um funcionário todo fardado de branco como por ali sempre se usara com quem trabalhava na piscina. – O Senhor, de volta, seja bem-vindo. Eu era o “mufana” das toalhas no antigamente. Correspondi ao simpático acolhimento da forma mais consentânea com o espanto de um reconhecimento tão longínquo e segui escada a baixo. Mas logo comentei com a Graça que não me lembrava nada dele. “Mufana” significa criança e o Polana nunca nos «meus» tempos usou trabalho infantil. Aquilo era discurso-chapa que aquele Fulano usava quando via um português a chegar. Era estratégia de simpatia para se fazer à gorja. Antes assim do que de modo menos simpático. Por acaso, não sou engenheiro e ele acertou no título mas podia ter deitado tudo a perder se tivesse errado.
Chegados ao quarto, aquela vista deslumbrante sobre a baía a que os «bifes» chamavam Delagoa Bay.
E por aqui me fico hoje a ver a vista… amanhã há mais.
Agosto de 2019
Henrique Salles da Fonseca