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A bem da Nação

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 14

Mucoque.jpg

Na doca de Mucoque, como previsto, o transfer à nossa espera. Um último olhar para o que tinha sido o Hotel Don’Ana – fechado mas não em ruinas – e vá de passeio pela estrada sobranceira às praias até Vilanculo, quase sempre à sombra das casuarinas e do assobio que a brisa marítima faz nas suas faúlhas. Temperatura amena a dizer que aquele é um bom local para se viver. Casas de praia em madeira que já tinham visto melhores dias mas, assinada a paz e com aquela localização, seria fácil adivinhar que qualquer dia estariam recompostas. Até porque se o turismo nas ilhas do Bazaruto é para desportistas do mar, nada obsta a que do lado de cá não possa haver turismo para sossegados.

Entrámos na malha urbana de Vilanculo sem nos darmos conta pois que, de início, tudo se fez por vivendas cada vez mais chegadas até que começaram a aparecer casas de tijolo pegadas umas às outras, sem quintais de permeio. Et voila, c’est la ville! E porquê uma expressão em francês? Porque em espanhol seria muito feio devido à terminação do nome da cidade.

A azáfama era enorme no largo da Câmara Municipal pois estava a chegar a camioneta que vinha de Maputo. Viagem de cerca de 700 quilómetros, penso que tenha vindo aos saltinhos pois custa-me a crer que as cabras e as galinhas que vimos serem apeadas do tejadilho tivessem sobrevivido à soalheira desde a capital até ali. Eventualmente, vinham de alguma localidade ali próxima. Mas isso não é importante para o que me pareceu. E o que me pareceu foi que a vida retomara o seu curso depois da guerra civil e que as populações estão muito mais interessadas em que as deixem viver do que nas altas lucubrações da política. O problema surge quando os da política impedem as populações de viver e, aí, chaga-lhes a mostarda ao nariz e entorna-se o caldo. Foi isso que aconteceu quando o Partido que então era único fez as estupidezes que já referi em crónicas anteriores instaurando a revolução dita proletária (de que proletariado por ali?), privando as pessoas dos seus bens, querendo que elas pensassem conforme cartilhas que vinham do frio,… Então, houve guerra e os dogmáticos viram-se obrigados a negociar. Mas, mesmo assim, demora tempo a que os políticos se habituem a ter alguém a espreitar-lhes por cima de um ombro e mais tempo ainda a adoptarem novas práticas que não as das tais cartilhas malévolas.

Bem sei que só tinham então passado quatro anos desde a assinatura da paz lá em Roma mas não deixei de reparar no mau estado de conservação das ruas e num certo desleixo generalizado. Vilanculo merecia melhor sorte na Administração que lhe coubera.

Dada a volta prevista pela cidade, era hora de rumarmos ao aeródromo. Feito o check in, enviadas as malas para a respectiva fila de embarque ali bem perto e debaixo dos nossos olhos, esperámos junto da porta de embarque dos passageiros numa «sala de embarque» com porta directa para a rua e outra igual mas do lado oposto que dava directamente para a placa de estacionamento dos aviões. Agente fardado da Polícia a olhar por tudo e por todos, garantindo total segurança. Ficámos então a saber que naquela «sala de embarque» entrava (e saía?) quem queria uma vez que, vindo da rua, se aproximou de nós um Fulano razoavelmente vestido de camisa, calças compridas e sapatos que, ali debaixo de nariz do polícia, nos perguntou se queríamos o pó branco que descontraidamente exibia para nossa apreciação. Rejeitada a oferta, saiu para a rua com a mesma descontração com que entrara e nós ficámos convencidos de que ou ele era sócio do polícia ou este era comissionista da droga vendida na «sala de embarque» do aeródromo de Vilanculo. A menos que o tal pó branco fosse de talco para tirar alguma nódoa que nos tivesse visto nas vestimentas. Seria? É que a origem mais próxima da matéria prima para fabrico do pó de talco se situa ali em frente, do outro lado do Oceano Índico, numa mina a céu aberto vizinha de Geraldton, cidade da Austrália Ocidental, a dois dias de navegação a norte de Perth.

Vôo sem história até Maputo no avião da contravolta.

Amanhã há mais.

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

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