MOÇAMBIQUE – O TRILHO DAS PEDRAS
A estabilidade política em Moçambique pode estar em perigo com os atritos militares entre o Exército da FRELIMO e as forças da RENAMO. Bem sei que esses conflitos são consequência de desentendimentos políticos mas isso acontece porque em Moçambique não há um Exército a que se possa genuinamente chamar Nacional. Os militares estão ao serviço de cada uma das forças políticas e quando o diálogo político não existe, os confrontos militares são um cenário a não ignorar. E daí à guerra civil, é um passo muito curto. Pior: quando acontecem raptos e assassínios de personalidades ligadas à Oposição, todos acusam o Partido do Governo de criar Esquadrões da Morte e de não olhar a meios para se manter no Poder. «Se com o ferro matas, com o ferro morrerás».
O esmagamento político de uns por outros e as eternas dúvidas sobre a linearidade da prática política, não me permitem afirmar com plena confiança que a democracia moçambicana de jure tenha já alcançado o de facto.
E a questão também está em saber se o modelo político ocidental é genuinamente aplicável às Nações africanas e respectivos acervos culturais. Terão já os Chefes de Estado conseguido ultrapassar o tão enraizado conceito de Soba? Terão as Assembleias Nacionais conseguido granjear prestígio suficiente para suplantarem os Conselhos Tribais de Anciãos?
Estas minhas perguntas são claramente capciosas pelas maiores dúvidas que nelas encerro mas não posso também deixar de lembrar que faltam apenas 27 anos para que Portugal perfaça 900 anos de idade e apenas soma 158 de democracia. E mesmo assim, com uma guerra civil pelo meio (as lutas liberais) e uma mudança revolucionária de Regime (5 de Outubro de 1910).
A fragilidade cultural da democracia africana deveria induzir os actores a levarem a «peça» ainda mais a sério em vez de construírem figurinos ao estilo do «faz de conta» sob pena de deitarem tudo a perder, nomeadamente a credibilidade internacional que esse figurino – pelos vistos fictício – lhes tenha proporcionado.
Vai a RENAMO conseguir reunir hoje os apoios que em tempos lhe permitiram fazer a guerra à FRELIMO?
Está a FRELIMO disponível para se sanear dos gravíssimos males que lhe são lautamente apontados?
São negativas as minhas respostas a ambas as perguntas anteriores porque a África do Sul não é hoje o que já foi, a Rodésia já nem sequer existe e o «estilo» do exercício do Poder está agarrado a interesses muito enraizados na «Corte».
É claro que os actores em cena têm espelhos mágicos que lhes respondem o que eles próprios querem ouvir. É claro que estamos perante um grande problema posto por um trilho com muitas pedras que alguém se entretém a pôr lá para fazer a vida difícil a quem por ali quiser passar.
Mas eu tenho muita pena de ver Moçambique assim tratado como se fosse qualquer outro país africano, como se em vez de cidadãos iguais fosse de uns que se tomam por donos e de outros apenas destinados ao servilismo. Como no tempo da escravatura.
Eu sempre pensei que África era um continente problemático, Moçambique à parte. Parece que me enganei.
Henrique Salles da Fonseca


