MERKEL E SCHÄUBLE, OS MAUS DA FITA
A moral alemã assenta no dever a favor do bem comum pela dedicação ao trabalho.
Esta, a atitude geral dos alemães. Resta saber como o bem comum vem sendo definido ao longo da História na certeza, porém, de que na actualidade (e desde há cerca de 70 anos) é o regime democrático que o define através dos conceitos definidos por cada Partido.
Desde a segunda guerra mundial, o bem comum alemão ocidental vem sendo alternadamente definido pelos conceitos da Democracia Cristã e pelos da Social Democracia. Num Governo como o actual, presidido por Merkel mas contendo alguns ministros social democratas, o bem comum é necessariamente híbrido entre os dois modelos mais puros. Mas os alemães não hesitam em respeitar o resultado (puro ou híbrido) que se obtém nas urnas em escrutínio universal, pluripartidário e em competição transparente.
E tudo isto porque Kant criou a ética do dever fundamentada na racionalidade humana: o dever é claro e incondicional; a acção não depende de condições pelo que se torna num imperativo desde que o modo de agir possa ser generalizado e tanto a dignidade como a liberdade das pessoas sejam respeitadas. Esta, a fórmula adamada do imperativo categórico kantiano: "Age como se a tua acção se devesse tornar, através da tua vontade, uma lei universal."
Assim educados desde o berço, os alemães assumem naturalmente uma atitude geral que se distingue claramente do hedonismo que, sem esforço, tudo quer já. O trabalho é uma obrigação para qualquer alemão; o trabalho é um direito para quase todas as outras Nações. Os alemães produzem; os outros consomem.
Mas o que está em causa é o modelo de desenvolvimento que se pretende instalar:
- O socialismo europeu ocidental (democrático, civilizado) pretende um Estado Social forte e omnipresente na vida dos cidadãos em conjunto com o Consumo tomado por motor do desenvolvimento e em companhia do investimento público financiado pelo endividamento se outras fontes não se mostrarem suficientes;
- A Democracia Cristã pretende uma economia baseada na Produção de bens e serviços transaccionáveis com o Estado Social que essa economia consiga financiar; as contas públicas devem apresentar superávites a fim de manter a dívida tão baixa quanto possível.
Eis como a ética kantiana se aplica naturalmente a um modelo produtivo e o hedonismo tem terreno fértil nos modelos consumistas.
Não são a Senhora Merkel nem o Senhor Schäuble que são maus por quererem defender as poupanças das suas laboriosas «formigas» (para quem o trabalho é um dever) aplicadas na cobertura dos défices das consumidoras «cigarras»; os maus da fita são os que convenceram os respectivos eleitores (parca ou nulamente instruídos na ética do dever) de que tudo são direitos, a começar pela obtenção de empregos públicos.
Afinal, é tudo uma questão de educação.
Setembro de 2015
Henrique Salles da Fonseca