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A bem da Nação

MARDICAS E TOPAZES

 

 

Ocussi Ambeno.jpg

 Ocussi Ambeno

 

O fado ou morna (?) indonésio, também se canta na África do Sul, em Afrikaans. Foi levado da Indonésia pelos mardicas do Exército holandês, também conhecidos, na altura, por malaio-portugueses. Da língua, que falavam, relexificada em holandês e descrioulizada em contacto com o novo superestracto holandês, no Cabo, resultou o afrikaans, hoje língua de cultura e língua nacional daquele país, com falantes de todas as cores e de todas as classes sociais e escrita nos alfabetos latino e árabe, na África do Sul e também na Namíbia. Em Cabo Verde, o crioulo ainda está no processo de se tornar efectivamente uma das duas línguas nacionais do país, mas uma língua da sua família, o afrikaans, já é, com o inglês, uma das duas principais línguas nacionais da África do Sul.

 

Mardica vem do holandês mardijker = forro, Topaz, ou Topasse parece que deriva do tamila = bilingue ou intérprete.

 

Os mardicas vieram da Guiana e talvez também das ilhas ABC.   Os holandeses ofereceram cartas de alforria a todos os escravos que quisessem alistar-se no Exército e ir para a Indonésia.

 

Os segundos vieram da Índia e sobretudo do golfo de Bengala, com os portugueses, cerca de um século antes e chegaram até Flores, Timor, Ternate e Filipinas, com a sua língua, como soldados, nas guarnições de fortes e fortalezas.

 

Tanto os mardicas como os topazes se apresentavam como portugueses, vestiam à portuguesa, tinham orgulho em serem portugueses e zangavam-se muito, quando ingleses e outros lhes diziam que não podiam ser portugueses, porque eram pretos. Eram de origem cabo-verdiana e falavam crioulo de Santiago.  

 

Os topazes começaram por ser escravos presos e vendidos pelos régulos e reis da África Ocidental, depois de guerras, que tinham perdido.   Depois de comprados pelos moradores de Santiago, eram baptizados, ensinados e treinados na base de apoio de Cabo Verde, em Santiago, para se tornarem ladinos, falando crioulo, e para serem enviados, como escravos de armas, a guarnecer as fortalezas e fortes portugueses da Ásia. Só na Índia houve perto de cem fortes e fortalezas. Foram os escravos de armas, que se bateram como leões por Portugal e pelo seu império da Ásia.   Penso que o seu número, durante cerca de dois séculos, deve ter chegado a dez mil, ou mais.   Com o fim do império da Ásia, lá ficaram ao serviço de holandeses e ingleses.

 

Os antepassados dos mardicas saíram de Cabo Verde para o Brasil, no início do século XVI, quando Fernão de Noronha assinou o contracto do pau de brasil e chamou alguns cristãos novos moradores de Cabo Verde. Em Pernambuco, plantaram cana e fizeram açúcar, nos seus engenhos e trapiches vindos de Cabo Verde, com os seus trabalhadores escravos e forros, nos porões dos navios. Estes cabo-verdianos foram os primeiros colonizadores do Brasil.  Durante o Brasil Holandês abriram a sinagoga de Recife, a primeira da América.   Depois, voltaram a carregar os porões dos navios com os seus utensílios de trabalho e trabalhadores e seguiram com os holandeses para a Guiana, onde se falam hoje, quatro dialectos da língua cabo-verdiana, ou línguas da família deste primeiro crioulo da globalização.   A língua da tecnologia mais avançada daquela época era o crioulo.   Era a língua materna e língua de trabalho dos cabo-verdianos sem distinções de cor, nem de estatuto social, era a língua materna dos patrões e dos trabalhadores forros e escravos, dos que aprendiam português nas escolas das igrejas e sinagogas e dos da maioria, que não ia à escola e ficava analfabeta.  

 

Quando os portugueses cabo-verdianos da Guiana, como assistentes técnicos, e os portugueses de Amesterdão, como financiadores, foram chamados pelos governadores das Antilhas inglesas e, depois, francesas para fazer açúcar, os escravos, que já lá estavam e os que, em grandes números, chegaram depois, tiveram que aprender crioulo ao mesmo tempo que aprendiam a trabalhar e produzir.  Todas as línguas crioulas das Caraíbas são dialectos cabo-verdianos ou línguas da família cabo-verdiana.  Só encontrei um que é dialecto do crioulo de São Tomé, o palenqueiro da Colômbia.

 

O “português adulterado” da Ásia de hoje não é português, é crioulo de Cabo Verde, ou seus dialectos e línguas da sua família. O “português adulterado” da Ásia de ontem era o próprio crioulo, antes de evoluir em contacto com novos adstractos linguísticos.

 

Topasses da Larantuca, Flores oriental foram para Timor, em grande número, depois do seu achamento por um navio português. Quando os holandeses invadiram Timor ocidental com os seus mardicas, ocupando Kupang, os portugueses com os seus topazes perderam a batalha. Depois os topazes portugueses passaram a governar Timor, ou melhor as ilhas da Sunda Oriental e tomaram conta do comércio do sândalo. Dois governadores acabaram por voltar para Goa e Timor ou melhor a sua capital no porto de Lifau (hoje enclave de Ocussi-Ambeno), foi governada por duas famílias topazes, que fizeram as pazes com os holandeses. As famílias Hornay (mardica?) e Costa (topaz) aliadas, por casamento com régulos timorenses tomaram conta do comércio do sândalo e governaram Timor, durante os séculos XVII e XVIII. Foi pena, que não tivessem governado mais tempo, porque, no início da década de cinquenta do século XIX, um governador reinol vendeu aos holandeses as outras ilhas e foi-se governar a si próprio com o magote de dinheiro, para outras latitudes.

 

Timor já enviou professor de português para Tugu?   As Flores precisam de mais do que um, Damão e Diu também…, sem falar de Ceilão e de Malaca, onde o crioulo de léxico português está em vias de extinção, as famílias já ali falam inglês com os filhos.   Além de Timor, o Brasil é que tem dinheiro para isso, Angola parece que já não tem. 

 

Também a nova Associação de Professores e Formadores Lusófonos, com a CPLP (Conferência dos Países de Língua Portuguesa) e a futura CPLPC (Conferência dos Países de Línguas Portuguesa e Crioulas) podiam procurar arranjar recursos para resolver estas carências do ensino da língua portuguesa.

 

 

Jose Carlos Horta.jpg

José Carlos Horta

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