LOAS E AZEDUMES
Hoje refiro-me ao azedume permanente em que tanta gente só faz reclamar de tudo e de todos.
Começo por relembrar um pouco da História de que nós, os portugueses com mais de 60 anos, somos contemporâneos.
Na juventude, vivemos no Consulado do Doutor Salazar e faltavam-nos perspectivas num modelo económico subjugado ao equilíbrio financeiro e ao entesouramento, sem perspectivas de maioridade política para o cidadão comum; no tempo do Professor Marcelo Caetano, nasceu a esperança proporcionada pela «Primavera marcelista» que os ultras, liderados pelo então Presidente Tomás, esmagaram; seguiu-se o golpe de Estado em 25 de Abril de 1974 e as loas à liberdade que os comunistas passaram a ter de prender quem se lhes opusesse.
E foram estas loas que deram o tom à «Revolução dos Cravos» dizendo-se que acabara com «a longa noite fascista».
Independentemente da verdade histórica, o que vingou foi um discurso generalizado de incentivo à reivindicação das liberdades individuais que culminou num ambiente em que tudo eram direitos e as obrigações eram alheias, nunca do próprio.
E a luta política, fazendo-se entre os comunistas que falavam nas «mais amplas liberdades» e os Partidos democráticos que apregoavam a liberdade como conceito unicitário, criou uma cultura de facilitismo que rapidamente degenerou na irresponsabilidade em que todos viam cerceamentos aos respectivos direitos nas mais ténues regulamentações e viam arbitrariedades nos resquícios decisórios de gestão corrente tanto da coisa pública como da privada.
Em suma, mesmo inconscientemente, criou-se uma geração libertária, avessa a qualquer espécie de autoridade em que todas as tentativas de ordenamento eram equiparadas a fascismo.
Entretanto, as gerações seguintes foram educadas por esses libertários e o sentimento de revolta contra o cerceamento de direitos assentou arraiais no comportamento geral.
«Ninguém pode fazer nada que me incomode pois isso é limitar a minha liberdade.»
«Ninguém pode dizer-me coisas diferentes daquelas que eu quero ouvir porque isso é manipular-me.»
E o azedume manifesta-se constantemente nas mais corriqueiras situações, no ambiente criado pelo incentivo à revolta nos diversos meios da comunicação geridos por «netos da revolução» prenhes de irresponsabilidade social.
Com a agravante da hegemonia entretanto alcançada pelos hedonistas, filhos da pós-modernidade, esses que tudo querem JÁ e que não olham a meios para alcançarem os seus próprios fins à custa dos direitos alheios dando mesmo largas a tais desejos no exercício do saque público.
Solução?
Para além da actuação policial imediata, creio que a solução de fundo passa pela educação no sentido da responsabilização individual em prol do bem-comum apesar de isso poder demorar o tempo de várias gerações. E, para isso, é fundamental que os órgãos da comunicação se autocorrijam.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
(em Heráklion, MAR18)