LITERATURA SUBVERSIVA NA TURQUIA
A situação é de deixar qualquer um de boca aberta...
William S. Burroughs, se fosse vivo, ficaria satisfeitíssimo: o seu livro de 1961, “The Soft Machine”, foi mais uma vez proibido. Não que Burroughs fosse a favor da censura, com certeza; antes pelo contrário, grande parte da sua obra acusa a civilização ocidental de ser censória, não só abertamente mas também pela pressão económica e outras formas mais subtis. No entanto, “The Soft Machine” não é um livro cuja subversão do conteúdo salte logo à vista; perturba mais na forma, através de uma escrita cheia de entrelinhas e referencias obscuras que o leitor normal achará bastante chata. Por outras palavras, é uma obra para intelectuais que não representa qualquer perigo imediato para a estabilidade de uma sociedade burguesa medianamente policiada. O mais perigoso de Burroughs é a personagem que ele inventou para si próprio, não os seus livros.
Então, “The Soft Machine” acaba de ser proibido na Turquia, um país que há cem anos, mas principalmente nos últimos vinte, procura desesperadamente ser ocidental e “civilizado”. E foi proibido por uma repartição dificilmente imaginável num pais ocidental e civilizado: O Conselho do Primeiro Ministro para a Protecção de Menores de Publicações Explícitas.
Porque é que um livro para adultos, e ainda por cima para um grupo restrito de adultos cultos que se interessam por literatura experimental, foi parar a este Conselho, ninguém sabe; provavelmente terá sido uma denúncia. O facto é que os conselheiros o acharam perigoso, “desconforme com as normas morais” e susceptível de “magoar os sentimentos morais das pessoas”. Além disso acusam a obra de “falta de unidade no tema”, “em desacordo com uma unidade narrativa”, com “utilização de calão e termos coloquiais” e, pior, “a aplicação de um estilo de narrativa fragmentado.” Finalmente a obra de Burroughs “contem interpretações que não são nem pessoais nem subjectivas, retiradas de exemplos de estilos de vida de figuras históricas e mitológicas”.
Mas o que interessa não será, com certeza, o disparate desta interpretação de “The Soft Machine”, que ainda consegue ser mais marada do que o próprio livro. O que interessa é que ainda existam países que se preocupem em censurar obras que, pela sua própria natureza, pouca subversão possam causar, só porque não estão de acordo com a doutrina estabelecida, tanto para o conteúdo como para a forma.
Realmente, a Turquia ainda tem de andar muito até poder entrar na União Europeia. Pelo andar da carruagem, quando puder aderir já uma grande quantidade de países terá saído – por razões completamente diferentes.
José Couto Nogueira