LITERATICES
Foi Orhan Pamuk que me falou serenamente sobre Albert Camus e foi este que me apresentou Marengo. E quem é Marengo? Pois bem, não é uma pessoa mas sim uma povoação a cerca de 70 kms a poente de Argel e que apenas se assemelha com a terra natal de Camus por ser uma pequena povoação argelina e ambas se localizarem nem perto nem longe da orla costeira. Só que Dréan (Mondovi, no tempo de Camus) dista cerca de 700 kms de Marengo. Mas, dizem os entendidos, o escritor ter-se-á inspirado numa para contar sobre a outra.
Eis como em duas penadas fiquei a saber coisas que nunca me tinham passado pela cabeça ao sobrevoar a Argélia, país que o meu imaginário rotula de bisonho, povoado de imanes mandantes e tementes obedientes, sem uma missão, sem futuro, enfim, um posto de abastecimento de gasolina e gás. Mas, afinal, na Argélia vive-se. Ou melhor, viveu-se. Haverá hoje na Argélia alguém com vontade de dar uma gargalhada?
Eu nunca tinha lido Camus, estreei-me com O Estrangeiro e, por sugestão de Pamuk, dei por mim a pensar no que é uma «escrita enxuta». Bem, é algo que a escrita dele próprio, Pamuk, não é totalmente. Camus é «pão-pão; queijo-queijo» enquanto Pamuk usa travessões, parênteses e pontos e vírgulas. Mas, faça-se justiça, nada que se compare com a escrita banhada pelas monções asiáticas de Immanuel Kant que mistura cinquenta assuntos num só parágrafo e o desgraçado do leitor que se entretenha durante o resto da vida a dividir orações e a tentar pôr uma certa ordem na confusão. E se, chegando ao fim, fizer alguma ideia do que esteve a ler, então merece ganhar um prémio. Mas como esse fim coincide com o fim da vida, nunca ninguém recebeu tal prémio. Ou seja, há muita gente a fingir que percebe Kant mas eu acho que não percebem nada. Mais: absolutamente nada! Kant andou 80 anos a gozar com o pagode e os profissionais da filosofia tentam enfiar-nos uns barretes com interpretações mais do que dúbias. Mas todo o mortal percebe Camus que não tentou enfiar barretes a ninguém e também por isso foi nobelizado em 1957. Pamuk foi-o em 2006. Kant, não.
E o que me disse Pamuk sobre Camus? Da pág. 167 e seg. de «Outras Cores» na edição de Março de 2009 da Editorial Presença, respigo: (...) aquilo que realmente condenou e destruiu Camus foi, sem dúvida, a Guerra da Argélia. Como franco-argelino, ficou dividido entre o seu amor pelo mundo mediterrânico e a sua devoção a França. Compreendendo as razões da revolta anti colonial e da violenta rebelião que desencadeara, Camus não podia assumir uma posição dura contra o Estado Francês, tal como Sartre fez, visto que os seus amigos franceses estavam a ser mortos pelas bombas árabes – os «terroristas», como eram chamados na imprensa francesa – que lutavam pela independência. E então escolheu nada dizer. Num ensaio comovente e compassivo, que escreveu após a morte do seu velho amigo, Sartre abordou o dilema íntimo e perturbador que Camus ocultou com um honrado silêncio.
Pressionado a tomar partido, Camus optou por explorar o seu inferno psicológico em «O Convidado». Este conto político perfeito retrata a política não como algo que escolhemos avidamente, mas antes como um acidente infeliz que somos obrigados a aceitar. É difícil discordarmos de tal caracterização.
Vou procurar «O Convidado» e por certo voltarei aqui.
E no meio de um Inverno, eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um Verão invencível.
Albert Camus
Continuemos...
Lisboa, 5 de Dezembro de 2015
Henrique Salles da Fonseca