LIDO COM INTERESSE – 91
Título – O ELOGIO DA SEDE
Autor – José Tolentino Mendonça
Editora – QUETZAL
Edição – 1ª, Abril de 2018
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Sabemos que a imagem de um Deus intransigente e castigador lançou gerações numa paralisante angústia. (…) é necessário anunciar que a justiça de Deus não é punitiva mas sim uma justiça iluminada pela misericórdia
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O livro começa com um prefácio do Papa Francisco
«Este caminho espiritual foi oferecido por si, que nos ajudou a sentirmo-nos procurados pela sede de Jesus, que não é uma sede de água, mas é maior: é sede de alcançar as nossas sedes, de entrar em contacto com as nossas feridas»
e conclui com um agradecimento também papal
«Obrigado, Padre e continue a rezar por nós»
pois que este é o guião do retiro espiritual que a Cúria Romana fez por altura da Quaresma de 2018 sob orientação do Padre José Tolentino Mendonça.
Entretanto, o Padre Tolentino foi nomeado Director dos Arquivos da Santa Sé e ordenado Arcebispo de Suava.
Como se depreende das palavras do Papa acima transcritas, o título é a apologia da busca da fé, mas é também um incitamento à pregação entre os infiéis.
Pese embora um estilo literário que me parece algo piegas, foram várias as passagens que prenderam a minha atenção.
Em vez de viver a sede do absoluto, Jean (personagem duma peça de Ionesco) escolheu viver o absoluto da sede. Por isso, tudo lhe parece ínfimo, insuficiente e mesquinho. Sobre todas as coisas espalha o mesmo veneno da lamúria, condenando-as. Esta sede, a que ele não consegue dar um rosto, faz dele um homem sem casa nem raízes, incapaz de criar laços, estrangeiro de si mesmo, perdido no labirinto onde escuta apenas o solitário rumor dos seus passos. (…) Uma sede que se torna numa grande insatisfação, numa desafeição em relação ao que é essencial, numa incapacidade de discernimento que nos empurra para os braços do consumismo. (…) A desilusão atira-nos para o círculo insone do consumo - (pág. 39 e seg.)
(…) as sociedades organizadas à roda do consumo, explorando avidamente as compulsões de satisfação de necessidades induzidas pela publicidade, estão na prática a remover a sede e o desejo tipicamente humanos. (…) promete libertar o desejo das inibições da lei e da moral em nome de uma satisfação ilimitada, mas quando o gozo, a paixão e a alegria se esgotam no consumismo desenfreado, chagamos à agonia do desejo. A vida perde horizonte, os tetos tornam-se cada vez mais baixos - (pág. 55)
Em vez de uma sede de futuro que nos projecta para a criatividade do dom, deixamo-nos enredar no sinuoso labirinto do pessimismo que recusa e descrê de qualquer horizonte – (pág. 64)
O Espírito (Santo) é o dinamismo do (Cristo) Ressuscitado em nós – (pág. 86)
A fé não é um pódio, é uma estrada (…) e a estrada tem mais a ensinar-nos do que a estalagem – (págs. 103 e 105)
Misericórdia é compaixão, é bondade, é perdão, é colocar-se no lugar do outro, é levar o outro aos ombros, é a reconciliação profunda - (pág. 132)
Sabemos que a imagem de um Deus intransigente e castigador lançou gerações numa paralisante angústia. (…) é necessário anunciar que a justiça de Deus não é punitiva mas sim uma justiça iluminada pela misericórdia – (pág. 136)
Finalmente, já é o Papa que faz humor no agradecimento ao Padre Tolentino pela forma como orientou o retiro da Cúria chamando a atenção para inúmeras circunstâncias em que o homem, mesmo o consagrado, é induzido ao pecado:
- Como dizia a madre superiora às suas irmãs: «Somos homens, pecadores, todos» - (pág. 166)
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca