LIDO COM INTERESSE – 79
Título – MEMÓRIAS DE ADRIANO
Autora – Marguerite Yourcenar
Tradutora – Maria Lamas
Editora – Leya, RTP
Edição – 1ª, Janeiro de 2018
O prefácio, da autoria de Isabel Alçada, é mesmo para ler antes de se começar a leitura do livro propriamente dito e dele se realça logo na contracapa que se trata de «Uma obra magnífica e inspiradora que surpreende pela avalanche de temas e ideias sintetizadas em cada página, sem nunca atraiçoar a coerência da narrativa histórica, nem afectar a credibilidade do retrato complexo e admirável que deixa do Imperador».
Curiosos, os títulos latinos dos capítulos:
Pág. 25 - Animula vagula blândula – Pequena alma terna flutuante – primeira parte da vida de Adriano na sua Itálica natal, cidade que os romanos construíram depois do longo cerco e destruição radical de Sevilha, capítulo de que extraio algumas frases e expressões que chamaram a minha atenção:
«A renúncia ao cavalo é um sacrifício custoso: uma fera não passa de um adversário mas um cavalo é um amigo»;
«Um príncipe não tem a latitude de que o filósofo dispõe: não pode permitir-se ser diferente em demasiados pontos ao mesmo tempo e os deuses sabem que os pontos em que eu me diferençava já eram bastantes, embora estivesse persuadido de que muitos deles seriam invisíveis»;
«Prefiro falar de certas experiências de sono puro, de puro despertar, que confinam com a morte e a ressurreição»;
«Que é a nossa insónia senão a obstinação maníaca da nossa inteligência em manufacturar pensamentos, séries de raciocínios, de silogismos e definições bem suas, a sua recusa em abdicar a favor da divina estupidez dos olhos fechados ou da sábia loucura dos sonhos?»
Pág. 45 - Varius multiplex multiformes – Várias formas de múltiplo – parte em que deparei com diversas frases que considerei notáveis:
«O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar sobre si mesmo»;
«(…) o rabino Joshua explicou-me literalmente certos textos desta língua de sectários tão obcecados pelo seu Deus que descuraram o humano»;
«O homem colocado em segundo lugar só pode escolher entre os perigos da obediência, os da revolta e aqueles, mais graves, do compromisso»
Pág. 97 - Tellus stabilita – A estabilidade do solo:
«Aparentar desdém pelas alegrias dos outros é insultá-los»;
«A moral é uma convenção privada; a decência é uma questão pública».
Pág. 143 – Saeculum aureum – A idade do ouro:
«Uma embarcação desencalhada aparelhava para o futuro»;
«Toda a felicidade é uma obra-prima: o menor erro falseia-a, a menor hesitação altera-a, a menor deselegância desfeia-a, a menor estupidez embrutece-a»;
«A memória da maior parte dos homens é um cemitério abandonado onde jazem, sem honra, mortos que eles deixaram de amar. Toda a dor prolongada insulta o seu esquecimento».
Pág. 191 – Disciplina augusta – Disciplina imperial:
«(…) a sombra projectada pelo homem efémero nas paisagens eternas»;
«Se dezasseis anos do reinado de um príncipe apaixonadamente pacífico tinham conduzido à campanha da Palestina, as probabilidades da paz do mundo afiguravam-se medíocres no futuro»;
«(…) podíamos destruir as muralhas maciças dessa cidadela onde Simão consumava freneticamente o seu suicídio; não podíamos impedir aquela raça de nos dizer não»;
«O abrandamento dos costumes, o avanço das ideias no decorrer do último século é obra de uma ínfima minoria de bons espíritos; a massa continua ignara, feroz quando pode, de qualquer forma egoísta e limitada e há razões para apostar que ficará sempre assim»;
«Este estranho amontoado de bem e de mal, esta massa de particularidades ínfimas e bizarras que constitui uma pessoa (…)».
Pág. 237 – Patientia – Paciência:
«O viajante encerrado no doente para sempre sedentário, interessa-se pela morte porque ela representa uma partida»;
«Os médicos (…) mentiriam menos se não tivéssemos medo de sofrer»;
«Se (…) esse dia chegar, o meu sucessor ao longo da riba vaticana terá deixado de ser o chefe de um círculo de filiados ou de um bando de sectários para se tornar uma das figuras universais da autoridade»;
«Procuremos entrar na morte de olhos abertos…»
* * *
Seguem-se notas explicativas sobre o trabalho de investigação e primeiras tentativas de escrita que a Autora teve ao longo de anos e anos. Como é sabido, desse género de investigação resultam sempre conhecimentos que podem ser alinhavados com crueza ou com arte e com mais ou menos plausibilidade. Neste caso, trata-se de uma obra absolutamente notável escrita com plausibilidade artística por alguém que tinha uma cultura clássica enciclopédica.
Como já informei na ficha técnica, li na tradução portuguesa e não no original francês mas a tradutora foi Maria Lamas que obviamente me dispenso de apresentar.
Setembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca