LIDO COM INTERESSE – 74
Título – EL MONARCA DE LAS SOMBRAS
Autor – Javier Cercas
Editor – LITERATURA RANDOM HOUSE, Lima, Peru
Edição – 1ª, Fevereiro de 2017
Foi numa das minhas passagens pelo aeroporto de Lima, capital do Peru, que comprei este livro julgando tratar-se de um novo escritor peruano. Não, é espanhol. Mas li-o na mesma e a literatura peruana fica para um dia, lá para a frente, em que outro bookiniste não me induza em erro. Entretanto, uma vez que o meu universo da literatura peruana se limita a Mário Vargas Llosa, acho que não tenho motivos de queixa que me obriguem a correr a trás de algum outro escritor peruano que, muito provavelmente, não chegará ao nível deste que já conheço. Eis por que me aconselho calma na busca que farei.
Quanto a este que agora acabei de ler, Javier Cercas, é claramente um bom contador de histórias e prendeu-me desde o início até ao fim. Mas, mais do que a história (que nos é apresentada como verdadeira), apreciei o estilo literário com formas de construção das frases que me encheram de curiosidade. Por exemplo, intercalando entre cada raciocínio a conjunção «e» (em castelhano, «y»), faz parágrafos quase duma página inteira sem que o leitor perca o fôlego. Mais: obriga-nos a seguir a sequência que nos quer contar com um ritmo que a divisão em diversos parágrafos poderia quebrar e distrair-nos. Garante, pois, uma unidade de escrita que, afinal, não cansa.
Fez-me lembrar o que se diz de Saramago que parece escrever sem pontuação. É o que me dizem pois nunca li – nem tenciono ler – escritos do pensador de Lanzarote.
Outra curiosidade: Cercas intercala, entre aspas, diversas frases em discurso directo num parágrafo em discurso indirecto. E quando ficamos à espera duma grande confusão, damos por nós a constatar que, afinal, é uma escrita limpa.
Forma muito interessante, lê-se bem.
No que se refere ao conteúdo, a história é sobre a guerra civil de Espanha, a de 1936-39 e o personagem central é tio-avô (materno) do autor. Tudo começa num lugarejo perto de Trujillo, ali pouco depois da nossa Elvas e metade do livro é o autor – politicamente conotado com a esquerda ou, pelo menos, com a não-direita - a procurar uma justificação para escrever um livro sobre esse tio-avô que lutou nas tropas franquistas.
Livro sem a mais pequena ponta de «suspense» (desde o início que sabemos como a história acaba), dá para perceber as motivações de uns e outros na sociedade quase hermética de um «pueblito extremeño» durante os prolegómenos da que viria a ser uma das maiores matanças de espanhóis. E histórica e sociologicamente, é esta a grande virtude deste livro.
Li a versão original, castelhana, mas a tradução portuguesa chegou agora às nossas bancas.
Para acabar, uma breve referência ao autor, Javier Cercas, que nasceu em Ibahernando em 1962, é professor de literatura espanhola na Universidade de Girona e tem no seu curriculum de escritor várias obras editadas e traduzidas.
Outubro de 2017
Henrique Salles da Fonseca