LIDO COM INTERESSE – 71
Título – O ISLÃO E O OCIDENTE
Autor – Jaime Nogueira Pinto
Editora – D. QUIXOTE
Edição – 2ª, Junho de 2015
Da contracapa extraio que o ataque ao semanário Charlie Hebdo, em 7 de Janeiro de 2015, comoveu mais os europeus do que a chacina das crianças e jovens do Colégio Militar de Peshawar {Paquistão}, do que as mulheres escravizadas por Boko Haram na Nigéria, do que os egípcios coptas decapitados ritualmente, do que os cristãos crucificados às centenas no Iraque e na Síria pelo ISIS.
Da badana consta que na Primavera de 2014, o Estado Islâmico se alargou como uma maré equinocial, dominando de repente 100 mil quilómetros quadrados com mais de 5 milhões de habitantes. Para crescer, os radicais do Califado exploram o descontentamento das populações com a discriminação e as perseguições a que foram submetidas pelos governos xiitas de Bashar-al-Assad e de Al-Maliki. E agora estão no centro do furacão perturbando o Ocidente e quase todo o Médio Oriente, recebendo a adesão de milhares de muçulmanos espalhados por esse mundo fora.
E voltando à contracapa, a pergunta é a de saber como é que uma religião monoteísta, que defende o Bem e a Justiça, que produziu no passado longínquo uma civilização que se estendeu em maravilhas de Bagdad a Córdova, que inventou a Álgebra e transmitiu a Filosofia grega à Europa cristã, está hoje reduzida a este grande desatino de destruição e medo?
Das inúmeras páginas com informação relevante, respigo apenas as que mais chamaram a minha atenção:
A história do conflito entre o sunismo e o xiismo é (...) a história da «Grande Discórdia», da Fitna (luta no interior da comunidade), que vai dividir os crentes. Morto Maomé em Junho de 632 e devendo a sucessão cair sobre um seu «mais próximo», sucede-lhe o seu companheiro Abu Bakr cujo califado dura apenas dois anos; Abu Bakr escolhe para sucessor Omar, outro companheiro do Profeta e Omar, nos dez anos do seu califado, conquista a Síria, a Palestina, o Egipto e a Mesopotâmia.
Quando Omar morreu, foi um conselho de seis membros que se decidiu por Osman, do clã dos omíadas de Meca.
Ali, primeiro direito, companheiro e genro do Profeta, fazia parte do conselho que escolheu Osman. Não o confrontou mas não terá gostado da escolha. Osman, (...), era membro da elite urbana de Meca que inicialmente perseguira Maomé e resistira ao Islão. (...) Da luta que depois se travou, resultou o assassínio de Osman (...) e a aclamação de Ali como califa, em Junho de 656. Para os seus partidários, os xiitas, Ali era o sucessor natural de Maomé, o primeiro e único sucessor natural do Profeta; e os três califas – Abu Bakr, Omar e Osman – meros usurpadores. Assim, a seguir à morte de Osman, o povo de Medina aclamou Ali, «reparando o erro» e entregando o poder ao «verdadeiro sucessor de Maomé» – por parentesco, companheirismo e virtudes pessoais.
Pág. 26 – Não discuto a fé mas temo a proibição da exegese sunita.
Imperialismo oitocentista: o regresso dos «cruzados»
As grandes somas recebidas para os projectos de desenvolvimento tornaram os Estados islâmicos – o Império Otomano, o Egipto, a Tunísia – devedores dos bancos europeus que os tinham financiado, passando o serviço da dívida a consumir as suas receitas económicas e financeiras. Assim, a mais importante ameaça à independência do Médio Oriente não eram os exércitos europeus, mas os seus bancos.
Pág. 47 – Onde é que eu já ouvi falar deste modo? A diferença está em que então, os Estados islâmicos se devem ter entretido a erigir «elefantes brancos» enquanto que hoje o recurso a capitais alheios é sobretudo para cobrir défices excessivos das contas públicas.
Os wahabitas defendem como dogma o poder infinito de Deus, a predestinação, a obediência cega aos chefes da comunidade e ao poder legal (mesmo que este seja imoral e ímpio) e rejeitam toda e qualquer interferência da razão humana na interpretação e consideração da fé.
Pág. 106 – A renúncia à liberdade de opinião teológica e cívica só a posso equiparar ao fascismo.
Educado numa cultura de força, bin Laden desprezava os fracos e via os EUA como uma nação fraca corrompida pelo materialismo e pela luxúria.
Pág. 139 – Na minha opinião, esta é uma apreciação boçal.
O Islão (...) não conheceu, não conhece nem talvez venha a conhecer o seu tempo de separação entre o que é de César e o que é de Deus.
Pág. 183 – Eu costumo dizer que ao mundo islâmico falta uma «Revolução Francesa».
Gilles Lipovetsky caracteriza esta nova era como a da pós-modernidade, (...) uma segunda revolução individualista, marcada pelo desaparecimento dos «ideais sacrificiais» e pelo advento de uma ética «indolor e circunstancial, plural e emocional».
Pág. 288 – Como eu próprio já afirmei, a ética contemporânea da felicidade é apenas consumista pretendendo optimizar as potencialidades do mercado que se deseja cada vez mais amplo, global. In http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/o-ser-pelo-ter-1216587
Os jovens muçulmanos, perdidos e marginalizados na Europa cristã – ou pós-cristã – atirados para a periferia suburbana dos pequenos empregos, dos pequenos gangues e dos pequenos prazeres, desintegrados das suas raízes originais e de lugares que os não acolhem plenamente, encontram bruscamente a aventura, o risco, a suposta identidade e a glória nas bandeiras negras do Profeta (...). Por isso partem para a nova terra prometida ou ficam na Europa, mas disponíveis para matar os sacrílegos do «Charlie Hebdo» (...)
Pág. 300 – Bela síntese.
Nas caricaturas do «Charlie» havia uma clara intenção de agredir, de ofender, de chocar (...)
Pág. 323 – Eis por que nos dias seguintes me distanciei da emoção francesa e afirmei que «je ne suis pas Charlie». E houve quem cortasse relações comigo.
Dezembro de 2016
Henrique Salles da Fonseca
(navegando de Limassol para Haifa, Março de 2014)