LIDO COM INTERESSE – 65
Título – SAMARCANDA
Autor – Amin Maalouf
Tradutora – Paula Caetano
Editora – Marcador Editora
Edição – 1ª, Maio de 2015
Levanta-te, temos a eternidade para dormir!
Omar Khayyam – persa, poeta, matemático (inventor do «x» como incógnita) e astrónomo dos séculos XI e XII de seu nome completo Ghiyath al-Din Abu'l-Fath Umar ibn Ibrahim Al-Nishapuri al-Khayyami nascido a 18 de Maio de 1048 em Nichapur, Irão e falecido a 4 de Dezembro de 1131 em Grande Coração (ou Antigo Coração - região histórica da Pérsia que englobava partes dos actuais Irão, Afeganistão, Tadjiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão).
Eis o personagem central da primeira parte desta obra histórico-romanesca do libanês Amin Maalouf.
Samarcanda, a cidade em que se desenrola grande parte dos acontecimentos mas em que Alamut também vem à colação na qualidade de bastião da famigerada seita dos assassinos.
E tudo se desenrola entre a erudição de uns e o fundamentalismo de outros tanto no passado de Omar Khayyam como no início do séc. XX a que a segunda parte da obra nos transporta. E lastimavelmente, a dicotomia entre os arcaizantes e os modernistas mantém-se praticamente inalterada ao longo desse período de mais de oito séculos. E de que nós mesmos somos hoje testemunhas e vítimas.
Também a diferença de conceitos entre autocratas feudais que se consideram proprietários das nações que dominam em que a lei é o capricho real e os que pensam que tarda a modernização pela instauração de regimes constitucionais.
Sobre os assassinos que queriam libertar a Pérsia do jugo seljúcida, diz-se na pág. 143 e seguinte:
Nos anos e decénios vindouros [a descrição situa-se nos finais do séc. XI], incontáveis mensageiros de Alamut conhecerão a mesma morte, com a diferença de que já não tentarão fugir. «Não basta matar os nossos inimigos», ensina-lhes Hassan [Hassan ibn al-Sabbah (1034 - 1124) ou O Velho da Montanha, foi um missionário nizarita que, no final do Século XI, tomou a região montanhosa do norte do Irão, fundando a seita dos assassinos]: «Não somos homicidas, somos executores; devemos agir em público para servir de exemplo. Matamos um homem, aterrorizamos cem mil. No entanto, não basta executar e aterrorizar, também é preciso saber morrer pois, se ao matar desencorajamos os nossos inimigos de tentar o que quer que seja contra nós, ao morrer do modo mais corajoso ganhamos a admiração da multidão. E desta multidão sairão homens para se juntarem a nós. Morrer é mais importante do que matar. Matamos para nos defendermos, morremos para converter, para conquistar. Conquistar é um objectivo, defendermo-nos é apenas um meio.
Noto que deste discurso distam «apenas» dez séculos em relação ao que neste início do séc. XXI testemunhamos diariamente.
Na segunda parte do livro, transportados a 1906, diz-nos a página 253 a propósito da luta que então se travava em Teerão entre conservadores e progressistas:
O clero, esse, estava dividido. Uma parte rejeitava tudo o que vinha da Europa, a própria ideia de democracia, de parlamento e de modernidade. Diziam: «Por que motivo precisaríamos de uma constituição se temos o Corão?». Ao que os modernistas respondiam que o Livro deixara aos homens o cuidado de se governarem democraticamente pois estava lá escrito: «Que os vossos assuntos se resolvam por concertação entre vós». Habilmente, acrescentavam que se os muçulmanos, após a morte do Profeta, dispusessem de uma constituição organizadora das instituições do seu Estado nascente, não teriam conhecido as sangrentas lutas de sucessão que haviam conduzido à evicção do imã Ali.
Para além do debate doutrinal, a maioria dos mullahs aceitava, porém, a ideia da constituição para acabar com a arbitrariedade régia.
E acerca de Samarcanda, respigo da pág. 314:
Em Samarcanda o tempo decorre de cataclismo em cataclismo, de tábua rasa em tábua rasa. Quando os mongóis destruíram a cidade, no século XIII, os bairros habitados transformaram-se em amontoados de ruínas e de cadáveres. Tiveram de ser abandonados; os sobreviventes foram reconstruir as suas residências noutro sítio, mais a sul. A ponto de toda a cidade velha, a Samarcanda dos seljúcidas, pouco a pouco recoberta por camadas sobrepostas de areia, já não ser mais do que um vasto campo sobrelevado. Debaixo da terra vivem tesouros e segredos; à superfície, pastagens. Um dia, ter-se-á de abrir tudo, de desenterrar as casas e as ruas. Assim, liberta, Samarcanda saberá contar-nos a sua história.
E tantas e tantas outras passagens poderia transcrever… que o melhor é ser o Caro Leitor a ler a obra completa.
Julho de 2015
Henrique Salles da Fonseca