LIDO COM INTERESSE – 2
Título: “A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES”
Autor: David S. Landes, Professor emeritus de História na Universidade de Harvard
Tradutora: Lucínia Azambuja
Revisor Científico: Henrique Manuel Lages Ribeiro
Editora: “Gradiva”, 7ª edição – Março de 2005
Há livros para ler; outros há para estudar. Este é dos que apetece saborear e por isso comecei a lê-lo em meados de Setembro e só o acabei ontem, dia de Natal. É claro que entretanto fiz outras coisas mas em regime de “livro de cabeceira”, não tive nestes meses mais nenhum.
Antes de começar a leitura, passei pela Internet para saber alguma coisa sobre um autor do qual nunca ouvira falar e li um comentário em inglês que me deixou siderado pois dizia da obra “o que Maomé não disse do chouriço”. Mas eu tinha que ler o livro que me fora oferecido por um casal amigo que muito estimo e com quem teria um dia mais tarde que conversar “à propos”. Preparei-me para o pior e . . . não concordo absolutamente nada com essa tal crítica que tentei agora encontrar de novo para confrontar mais detalhadamente com a opinião que entretanto construí mas não voltei a localizá-la. Esfumou-se, felizmente.
Contrariamente a essa crítica, não acho nada que a obra esteja repleta de incongruências do género de apresentar como verdadeiro nuns casos o que considera falso noutras situações. Essa acusação – claramente injusta, na minha opinião – só pode resultar duma leitura rápida ou incompleta de modo a que esse crítico considerou igual aquilo que para o autor era diferente. De facto, deparamos ao longo do livro com situações aparentemente semelhantes que produzem resultados diferentes mas essa é precisamente a grande tese do autor que consiste em a cultura ser a razão do desenvolvimento ou do atraso das Nações. Duas actuações governamentais aparentemente iguais exercidas sobre povos diferentes produzem resultados muito provavelmente diferentes.
Só que a tese vem formulada nas últimas linhas do Epílogo que logicamente é publicado depois do último capítulo, o 29 e isso exige uma leitura até ao fim e nunca em diagonal. Mas também quero acreditar que só lerá esta obra em diagonal quem se depare com alguma edição graficamente menos agradável ou com uma tradução menos boa que a portuguesa. O leitor português que se interesse por este tipo de assuntos não tem justificações para ler esta obra apressadamente.
Escrita despretensiosa, dá uma leitura fácil e já uma vez escrevi que se trata de um artigo de jornal a que o Professor Landes deu a forma de livro com 603 páginas a que juntou 52 de Notas, 81 de Bibliografia e apenas 19 de Índice Remissivo. Apesar do tamanho, é o contrário do enfadonho.
Para quem como eu se intitula economista, vai lendo constantemente ao longo do livro a diferença entre o que os economistas pensam e o que o autor acha. É curiosa a diferença e chegamos mesmo a dar por nós a pensar de modo mais filosófico e menos matematicamente. Para quem como eu se considera estatistófago, não deixa de ser curioso seguir os raciocínios do autor ao longo de todas aquelas páginas sem grandes provas quantitativas. E o mais curioso é que nem sequer fazem falta.
Mas isso não significa que eu esteja disponível para abdicar da tranquilidade de raciocínio proporcionado pela lógica matemática.
Mas o que nos diz o Professor Landes?
A história começa por contar as desigualdades da natureza em que o Sol e o calor proporcionam o riso e o folguedo enquanto o céu cinzento e a neve convidam ao retiro sorumbático, ao estudo, ao trabalho. Daqui passa para uma dissecação dos métodos de obtenção de conhecimentos na China e na Europa, atribuindo ao método científico europeu os méritos do desenvolvimento. Daqui resultou a expansão europeia e a retracção chinesa. Os descobrimentos portugueses foram a consequência lógica desse desenvolvimento científico. Na esteira portuguesa seguiram os invejosos que não sossegaram enquanto não estabeleceram os respectivos Impérios não para expansão da Fé mas sim para esbulho das riquezas naturais. Sem poupar críticas ao que fizemos de errado (e não terá sido tão pouco como eu gostaria), o autor é claramente simpático para connosco mas deve ter grandes dificuldades em obter visto para visitar Madrid ou Roterdão. A Revolução Industrial inglesa foi fundamentalmente a consequência da acumulação de conhecimentos técnicos e científicos mas rapidamente foi ultrapassada pelos americanos e alemães que por sua vez passaram a sofrer a feroz concorrência japonesa e coreana. Quanto à China, o autor não acredita que seja possível ela continuar a destabilizar o resto do mundo como está a fazer actualmente pois os problemas políticos são estruturais e podem estragar todo o progresso que se tem verificado desde a morte de Mao Tsé Tung. O livro conclui-se com uma breve mas muito lúcida análise da crise asiática de 1997.
Recapitulando: o que é verdade para uns pode não o ser para outros; o sucesso induz ao retrocesso assim como a subida antecede a queda; os problemas de desenvolvimento só se resolvem pela massificação do conhecimento.
Poucos livros li com tanto prazer.
Lisboa, 26 de Dezembro de 2005
Henrique Salles da Fonseca