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A bem da Nação

“LÁ VAMOS, CANTANDO E RINDO”

 

MP-1948.jpg

 

https://www.youtube.com/watch?v=3sXr37z-snI

 

“RIR ESTIMULA AS HORMONAS DA FELICIDADE “, informa António da Cunha Duarte Justo, em texto publicado no “A Bem da Nação”. Talvez por isso se diga também que não se deve levar a vida muito a sério, que melhor vivemos relativizando, contemporizando, deixando correr…

 

Fácil de dizer. O próprio Rabelais, criador de personagens desmedidas, no saber, no comer, no agir, no seu “Fais ce que voudras” libertador das convenções, embora dentro de princípios elitistas, ele próprio explicava, no seu humanismo de extraordinária dimensão, que “le rire est le propre de l’homme”, os animais não passíveis dessa divina graça, apesar dos muitos esgares de tantos, expressivos dos mais diversos sentimentos. E tanta foi a desmesura rabelaisiana, que logo surgiu o adjectivo “pantagruélico” como caso de derivação imprópria, e a arte culinária usou do nome “Pantagruel” como título de valioso exemplar de receitas de cozinha, colaborando assim na beatitude provinda do conforto estomacal. Já também na Idade Média se forjaram poemas – “Carmina Burana” – sobre os prazeres da vida, que foram traduzidos para opereta célebre, de tanto encanto.

 

Quem estudou o tema e lhe aplicou a técnica nos seus alunos não pode deixar de ter razão a respeito do estímulo dessas hormonas da felicidade que o riso provoca.

 

Mas também se ouve dizer que os antigos, conservadores por princípio e desconhecedores dessas minúcias fisiológicas, afirmavam que a felicidade resulta do sentimento do dever cumprido, quer seja no trabalho, na arte, ou na dedicação pelos outros, e que as pessoas egoístas, que vivem em torno exclusivo de si próprias, dos seus prazeres, da sua aparência exterior, sem generosidade, não são verdadeiramente felizes. Mas não sei se devemos acreditar antes no “Ai que prazer não cumprir um dever” que o nosso Pessoa por aí propalou com extrema receptividade, no nosso país soalheiro.

 

Costumamos despender o nosso riso com alarde, riso que não é, muitas vezes, senão prova de exibicionismo um tanto tonto, que não corresponde a um verdadeiro estado de graça, como é o riso espontâneo da criança ou mesmo do adulto que se “escangalhou” a rir, por qualquer incidente cómico, ou passagem de livro ou de filme verdadeiramente engraçados, ou de alegria real na ternura dos sentimentos. Os palhaços fazem rir hoje, sobretudo as crianças, os adultos nem sempre sensíveis ou mais comedidos, embora o ofício de bobo da corte seja antigo, para diversão dos reis e comitivas, tal como a farsa ou a comédia greco-latina exercem o mesmo efeito catalisador sobre o organismo, despertando de imediato o riso.

 

Mas as hormonas da felicidade julgo que também devem provir do sorriso – sorriso de uma alegria interior, de aceitação, de compreensão, sorriso estimulado talvez mais pela alta comédia, na subtileza da sua ironia, que nos aclara sobre a intenção crítica do seu autor, ou mesmo estimulado pelo espectáculo de sedução de um coral, de um filme bem interpretado, de tudo isso que dá prazer, como a nossa imorredoira Amália, o Alfredo Marceneiro, e tantas vozes que por nós passam e passaram contando das desordens sentimentais, “ Et maintenant”, “Ne me quitte pas “, “Sim eu sei que tudo são recordações” e expressivas de tantas outras emoções. Para muitos, como diria António Nobre, na sua “Canção da Felicidade”, apenas um ideal, um sonho, uma utopia:

 

António Nobre.png

 

Felicidade! Felicidade!

Ai quem me dera na minha mão!

Não passar nunca da mesma idade,

Dos 25, do quarteirão.

 

Morar, mui simples, n’alguma casa

Toda caiada, defronte o Mar;

No lume, ao menos, ter uma brasa

E uma sardinha p’ra nela assar ….

 

Não ter fortuna, não ter dinheiro,

Papéis no Banco, nada a render:

Guardar, podendo, num mealheiro

Economias p’r’ó que vier.

 

Ir, pelas tardes, até á fonte

Ver as pequenas a encher e a rir,

E ver entre elas o Zé da Ponte

Um pouco torto, quase a cair.

 

Não ter quimeras, não ter cuidados

E contentar-se com o que é seu,

Não ter torturas, não ter pecados,

Que, em se morrendo, vai-se p’r’ó Céu!

 

Não ter talento; suficiente

Para na Vida saber andar,

E quanto a estudos saber somente

(Mas ai somente!) ler e contar.

 

Mulher e filhos! A Mulherzinha

Tão loira e alegre, ]esus! ]esus!

E, em nove meses, vê-la choquinha

Como uma pomba, dar outra á luz

 

Oh! grande vida, valha a verdade!

Oh! grande vida, mas que ilusão!

Felicidade! Felicidade!

Ai quem ma dera na minha mão!

(in )

 

Assim o sentiu Camões com tanta amargura, abominando o dia em que nasceu que deitou ao mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu”, ou Cesário a respeito da “infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes”, que passa a ferro e cantarola “uma canção plangente duma opereta nova” fazendo apaziguar o seu estado de espírito de contrariadades, embora ressentido com a torpeza do mundo:

 

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?

A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?

Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...

Que mundo! Coitadinha!

Cesário Verde.png

(Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde')

 

Assim o sentiu Pessoa, tão racional na busca da sua felicidade de incompatibilidades:

 

Ela canta, pobre ceifeira,

Julgando-se feliz talvez;

Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia

De alegre e anónima viuvez,

 

Ondula como um canto de ave

No ar limpo como um limiar,

E há curvas no enredo suave

Do som que ela tem a cantar.

 

Ouvi-la alegra e entristece,

Na sua voz há o campo e a lida,

E canta como se tivesse

Mais razões pra cantar que a vida.

 

Ah, canta, canta sem razão!

O que em mim sente está pensando.

Derrama no meu coração

A tua incerta voz ondeando!

 

Ah, poder ser tu, sendo eu!

Ter a tua alegre inconsciência,

E a consciência disso! Ó céu!

Ó campo! Ó canção! A ciência

 

Pesa tanto e a vida é tão breve!

Entrai por mim dentro!

Tornai Minha alma a vossa sombra leve!

Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa.png 

(Fernando Pessoain "Cancioneiro")

 

E hoje?

 

Um dia sem riso é um dia enevoado e sonolento”, afirma Duarte Justo. Podemos nós rir, segundo a lição de Duarte Justo, ou “cantar como se tivéssemos mais razões pra cantar que a vida”, na expressão de Pessoa, ou obedecendo igualmente ao convite de Solnado: “Façam o favor de ser felizes”, num mundo tão desconcertantemente perverso, nas catástrofes, como nas actuações de violência ou de irracionalidade sem quebras?

 

Mas, “le rire est le propre de l’homme”. Riamos então, em obediência à nossa natureza humana, que nos distingue da outra selva, entre diversos factores de felicidade, com umas hormonas propícias, afirma-o Duarte Justo:

 

RIR ESTIMULA AS HORMONAS DA FELICIDADE

Um dia sem riso é um dia enevoado e sonolento

http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/dia-do-riso-1405611

 

E em apoio de anuência, citemos o tal poema de Pessoa que nos marca o ritmo da nossa felicidade:

 

Liberdade

 

Ai que prazer

Não cumprir um dever,

Ter um livro para ler

E não fazer!

Ler é maçada,

Estudar é nada.

Sol doira

Sem literatura

O rio corre, bem ou mal,

Sem edição original.

E a brisa, essa,

De tão naturalmente matinal,

Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.

Estudar é uma coisa em que está indistinta

A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,

Esperar por D. Sebastião,

Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...

Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o Sol, que peca

Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto

É Jesus Cristo,

Que não sabia nada de finanças

Nem consta que tivesse biblioteca...

 

Fernando Pessoa

(in "Cancioneiro")

 

Berta Brás 2.jpg Berta Brás

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