LA CONCIÈRGE VINDICATIVE
Politicamente correcto? Aujourd’hui, ça j’ne connais pas.
Puxar para cima quem está em baixo, fazer com que todos tenham acesso aos níveis mais elevados de instrução. Reconhecer a todos por igual segundo as suas capacidades, não segundo as suas origens e muito menos segundo as suas necessidades.
Das necessidades trata a caridade; a economia reconhece as capacidades. E uma das capacidades tem a ver com as origens, as que dão crédito e permitem até os avales pessoais do paizinho, da mãezinha ou mesmo do avô que já está esquecido e entrevado mas ainda é capaz de assinar atravessado.
E quem não tem crédito? Bem, quem não tem crédito, tem que o conquistar pela prática da competência, da honestidade e de mais uns quantos atributos de que os banqueiros gostam. E isso é justo? Não sei se é justo ou injusto, sei apenas que não pode ser de outro modo. Quem tem os capitais, empresta-os ou não conforme os seus próprios critérios e como o dinheiro é dele, é a ele que compete determinar as condições em que o empresta. Uma das condições é a dos juros.
Bandidos, agiotas e outros epítetos que tais, eis o que bradam os que não dispõem do capital que tanta falta lhes faz para lançarem o seu próprio negóciozinho ou, mais comummente nos dias que correm, para consumirem duradouramente. Pois se até há políticos que nos dizem que é aos ricos que cumpre pagar a crise… Não hão-de eles ter vontade de lhes passar, aos ricos, um baraço pelo pescoço.
E que mais dizem esses da política? Ah!, que todos temos irreversíveis direitos adquiridos, que todos temos direito a toda a felicidade JÁ!, que «eles» é que têm os livros e por isso lhes compete decidir dentro das mais amplas liberdades.
Lavei quilómetros de soalhos, abri e fechei milhares de vezes as portas do edifício para «eles» passarem, despejei centenas de caixotes de lixo, sentei-me horas infindas à porta do prédio tentando segurar a cabeça tal a soneira que me dava, tenho todos os direitos, tudo me é devido, eu quero tudo, JÁ! e por inteiro.
Vi – e não me peçam que conte mais uma vez – as vergonhas de muitas cá da rua; só comentei uma vez com as minhas colegas para elas saberem com o que contam nos prédios delas. Se não fossemos nós, o que seria a pouca vergonha por aí fora…
E se essas cabras não se portarem como eu acho que elas se devem portar, aí eu passo-me dos carretos, ponho a boca no trombone e elas vão-se ver aflitinhas da vida. Ai vão, vão! As cabras.
Mas se me derem a reforma por inteiro, deixo-as com as poucas-vergonhas delas e vou para a terra fazer a horta que a minha mãezinha que Deus tem me deixou. Sim, porque me fartei de trabalhar para pagar o curso da minha filha que já é Doutora.
Doutora em quê? Ah! Isso eu não sei; é Doutora lá das letras. E ela trabalha em quê? Ela agora está no desemprego mas já tem um namorado que vai a casa dela todos fins de tarde e lhe paga os lanches. Ele é um rapaz muito fino que até tem bigode e tudo. Ele tem um ofício ali na rua a proteger umas amigas que ganham a vida ali por perto… É segurança? Sim, é isso! O Júlio é segurança, agora me lembro do que a minha filha contou. O pior é a porteira que ela lá tem no prédio que não a deixa sossegada com os mexericos que tece à pequena. Uma porca, essa porteira que só vê mal em tudo. Um dia vou lá e digo-lhe das boas.
E sabe que mais? Isto está precisado é duma revolução! Uma revolução das porteiras? Sim, das porteiras! E a porteira do prédio da sua filha também vai a essa revolução? Ah! Essa não sei se a deixo lá ir; não sei, não!
É isso! O que está a dar é ser-se gigolo e chamar-se Júlio.
E é disto que temos que aturar, nós os que temos outras profissões e nos chamamos de modos diferentes.
Julho de 2015
Henrique Salles da Fonseca