KALIMERA – 3
Ah, desculpem! Esqueci-me de dizer que «Kalimera» significa «Bom dia» em grego. E tirando um ou outro regionalismo, o que se fala na República de Chipre é grego e o que se fala na República Turca de Chipre do Norte é turco. A partir da proclamação da independência do norte relativamente ao resto da ilha em Novembro de 1983, os gregos que viviam no norte aceleraram a emigração para sul e os turcos que viviam no sul intensificaram a ida para norte. Sem pressas e sem choros nem rangeres de dentes: o grego vende o que possui no norte e compra no sul; o turco vende o que tem no sul e compra no norte. Mas não é coisa que se faça, é coisa que se vai fazendo...
A moeda que actualmente circula no sul é o Euro[1], a que circula no norte é a Lira Turca. É frequente depararmos com bandeiras gregas hasteadas um pouco por todo o sul; no norte as bandeiras nacionais da República do Norte e da Turquia estão sistematicamente hasteadas em paralelo. Mais: quando pela magnífica auto-estrada nos dirigimos de Larnaka para Nicósia (a que os turcos chamam Lefkosa), vemos ao longe, para lá da fronteira, pintada na vertente sul dos montes Cirénia uma enorme bandeira da República do Norte que deve medir nada menos que 500 metros de comprimento por 90 ou 100 de altura.
A crer no que me tinham contado, daria para admitir que nos estávamos a aproximar de algo tão terrífico como a Coreia do Norte mas eu conheço a Turquia – país que muito admiro – e sabia que essas histórias não passavam de versões absurdas. E logo que em Nicósia – a cidade dividida por um muro e postos de controlo à maneira da «cortina de ferro» – nos apresentámos para passar para o lado de lá, logo fomos abordados por um par de jovens funcionários da República do Norte que muito normalmente viram os nossos documentos. Ela até sorria com evidente agrado pela nossa visita; ele, muito atarefado a verificar a documentação, não era do estilo de mandar sorrisos a homens e não reparei no que ele fazia com as Senhoras. Mas os papéis assoberbavam-no. O «negócio» dos Vistos não deve ser coisa que interesse à República do Norte pois não me lembro de ter que os pagar. Se houve pagamento, o custo devia estar incluído no valor que pagámos pela excursão. Trocos pequenos.
A nossa guia, cipriota do sul que cheirava a bagaço depois de cada café que tomava, não tinha alvará para exercer a profissão na República do Norte pelo que na fronteira entrou no nosso autocarro uma guia nortenha (que, para além dos bons-dias e até-logos, entrou muda e saiu calada) cuja missão era por certo a de nos demonstrar que por ali não se comiam criancinhas ao pequeno-almoço. Muito simpaticamente, ficou a fazer companhia aos nossos coxos cansados ou pacientes de outras maleitas (o ar condicionado do nosso barco devia ter os filtros a precisar de limpeza e as constipações grassavam) enquanto nós, os sãos e escorreitos, calcorreávamos por onde a nossa guia sulista nos queria levar. E vimos tudo que esteve à mão de semear. A começar pela auto-estrada (tão boa como a do sul) que de Nicósia nos levou até Keryneia, cidadezinha litoral com um porto (actualmente, de recreio) do tempo dos fenícios mas remodelado pelos venezianos medievais e com modernizações sucessivas imprescindíveis ao conforto dos turistas mareantes actuais, rodeado de restaurantes e pequenas estalagens, do mais cosmopolita que se pode imaginar (mas também como dizia uma das nossas companheiras de viagem «mais que c’est migon») e deixando-nos a todos com pena de não podermos lá voltar nos tempos mais próximos. Porquê? Ora, porque há tanto ainda por conhecer...
E é claro que perguntei se o norte também tem um sistema bancário «democrático» como o sul. Não me fiz entender logo à primeira e tive que perguntar se na República do Norte também há lavagem daquela roupa que se suja na Rússia ou noutras latitudes, «indústria» tão importante no sul. Para gáudio dos meus companheiros de viagem (todos franceses), a nossa guia sulista meteu os pés pelas mãos pois teve que reconhecer que o norte é mais bem comportado que o seu sul. A guia nortenha deve ter gozado o pratinho mas comeu-o em silêncio.
Amanhã vamos a Paphos, no extremo ocidental da República de Chipre (a do sul), cidade natal de Makarios e por onde entraram as Forças Armadas turcas quando decidiram tomar o norte. Mas vamos também dar um giro por Limassol e por Larnaka.
Março de 2014,