KALIMERA – 2
Ir actualmente a Chipre e não pensar no Arcebispo Makarios III seria o mesmo que um estrangeiro vir a Portugal ignorando tão importantes referências nacionais como Vasco da Gama, Amália ou Cristiano Ronaldo.
Pensei, pois, em Makarios III e tive o que por lá vi como parte importante do seu legado.
O Arcebispo Makarios era solteiro. E o que é que isso tem de extraordinário? Não muito. Mas na Igreja Ortodoxa Cipriota nem todos os sacerdotes o são. Por exemplo, os Padres duma igreja local (a que nós chamamos Paróquia e que por lá... não sei) são casados e pais de família. A família de um Padre passa a denominar-se Papa... seguido do nome próprio do fundador da nova família. Mas os membros dos mosteiros são obrigatoriamente celibatários e Makarios, membro do mosteiro de Kikkos, nas montanhas de Troodos, não podia constituir família. Esta, a forma de evitar tentações relacionadas com alguma divisão do património da Igreja como na Idade Média já acontecera no mosteiro de Belapais actualmente na parte turca da ilha. E como cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, nomeadamente à Igreja Ortodoxa Cipriota, os monges e Padres pertencentes a mosteiros são obrigatoriamente celibatários.
Mas não era por ser casado ou solteiro que Makarios tinha mais ou menos prestígio. Tratava-se do mais alto representante da Igreja Ortodoxa Cipriota, entidade eclesiologicamente autónoma (não dependente de quaisquer outras hierarquias ortodoxas tais como grega, russa ou...), que pregara abertamente contra o domínio inglês de Chipre e que por isso mesmo fora deportado para as Seychelles em 1956 assim se transformando em «bandeira» da causa nacionalista.
Mas por aquelas paragens sempre houve rivalidade entre gregos e turcos, sendo que dentre os primeiros havia um grupo muito aguerrido que desejava a união (Enosis) com a Grécia. As primeiras revoltas já tinham acontecido em 1930, a organização terrorista Eoka foi muito activa depois da II Guerra Mundial e em Agosto de 1954 a Grécia tentou anexar Chipre, ao que a Turquia se opôs tenazmente. Foi só em 1959 que se iniciaram conversações entre ingleses, cipriotas gregos integristas, cipriotas gregos independentistas e cipriotas turcos. Pese embora toda a confusão, foi possível assentar num projecto constitucional que assegurava a independência (não integração na Grécia nem na Turquia) da nova República cujo funcionamento seria tutelado pela Grã-bretanha, pela Grécia e pela Turquia.
A independência foi proclamada em 16 de Agosto de 1960, sendo eleitos o Arcebispo Makarios como Presidente e Fazil Kuchuk, turco-cipriota, como Vice-presidente a quem era constitucionalmente conferido o direito de veto legislativo. É claro que o Estado não podia funcionar e a violência continuou.
Em Dezembro de 1963, turcos e gregos entraram em conflito quando Makarios propôs a supressão do direito da minoria turca de exercer o veto legislativo. Os turcos pretendiam a divisão da ilha enquanto os gregos insistiam num Estado único com garantias dos direitos das minorias nacionais. Em 1964 o caos instalou-se e a ONU teve de intervir.
Mas em Julho de 1974, a Guarda Nacional de Chipre levou a cabo um golpe favorável à Enosis e derrubou Makarios; as Forças Armadas turcas desembarcaram em Paphos (extremo ocidental da ilha) e um mês depois passaram a controlar o norte da ilha. Os cipriotas turcos estabeleceram então um governo de facto, mas não tentaram ser reconhecidos como país soberano.
Até hoje.
Mas há mais...
Março de 2014,