JARDIM DA ESTRELA – 1
A cena passa-se numa das esplanadas do Jardim da Estrela, em Lisboa, onde eu estava com a minha mulher. Lanchávamos…
Isabel – Olá Henrique! Gosto muito de te ver ao fim de tantos anos.
Eu – Olá Isabel! Também gosto muito de te ver. Apresento-te a minha mulher, a Graça. E a si, Graça, apresento-lhe a minha antiga colega de Liceu, a Isabel que era conhecida por «Isabel II» já que havia outra que era mais alta e era conhecida por «Isabel I». Senta-te aqui connosco. Que vais tomar?
Isabel, doravante a II – Posso tomar um café.
Graça – Só um café? Mande vir mais alguma coisa, uma torrada, um bolo…
Isabel II – Muito obrigada, Graça, mas fico-me só pelo café que é para que a balança não se queixe muito.
Pedido o café, expliquei à Graça…
Eu – A «Isabel II» também é economista. A «I» não acabou o curso; e
Você conhece-a porque ela é sua prima.
Graça – Ah, sim! Pela descrição, Liceu, alta e prima, já sei perfeitamente de quem se trata.
Isabel II – E foi a outra Isabel que vos apresentou, sendo sua prima?
Graça – Não, até já estávamos casados quando descobrimos que o Henrique a conhecia do Liceu.
Eu – E tu costumas vir aqui ao Jardim da Estrela?
Isabel II – Muito raramente. Só passo por aqui quando venho a casa duma amiga que mora ali daquele lado e quando estaciono o carro do lado contrário do Jardim. Assim, atravesso por aqui, faço um pouco de horas para chegar a casa da minha amiga e sempre é um bom pretexto para ver duas coisas que acho lindíssimas: o coreto e aquele antigo pavilhão de chá que agora é um infantário da Misericórdia.
Graça – Sim, também gosto muito dessas construções. Não sabia que o pavilhão tinha sido casa de chá.
Isabel II – Foi o que me disseram mas eu não fui verificar. Na Internet deve haver informação. Chegando a casa vou procurar.
Eu – Eu ouvi dizer ou li algures que era o chamado «pavilhão chinês». O que é que isso queria dizer…? Admito perfeitamente que fosse um salão de chá. E lembram-se do «Leão da Estrela»?
Graça – Isso foi um filme com o António Silva…
Isabel II - … e com o Vasco Santana…
Eu – Sim, também. Mas o que deu o nome ao filme foi uma história que li há pouco tempo sobre um tal Paiva Raposo que terá tido alguma actividade na exploração africana e que trouxe um leão que ofereceu ao Jardim. Tudo isto se passou em pleno séc. XIX e eu julgo que ainda não existia o «Jardim Zoológico de Lisboa». Então, este leão era uma enorme atracção e assim foi desde que aqui chegou até que se finou. Não consegui saber se morreu de velho, de gordo ou de neura. Pobre bicho – enjaulado toda a vida e vítima dos votos de celibato que alguém fez por ele…
Graça – Está então visto que o nome do filme nada tinha a ver com esse leão e devia ser um sportinguista que morava por aqui, na Estrela….
Isabel II - … e que queria ir ao Porto ver um jogo. Já não sei mais nada da história a não ser que o motorista era o Artur Agostinho…
Eu – Quando eramos miúdos, achávamos esses filmes muito maus, só gostávamos dos estrangeiros mas hoje achamos tudo isso muito giro. E outra coisa que li há dias foi que um Visconde qualquer que deu quatro Contos para os acabamentos deste jardim, foi promovido a Conde pela Rainha D. Maria II.
Isabel II – Quatro Contos para acabar o jardim e com direito a promoção a Conde. Fantástico! O que é o valor do dinheiro…
Eu – Isabel: sobre essa matéria sabes tanto ou mais do que eu. Que políticas monetárias foram seguidas desde o tempo de D. Maria II? E os Orçamentos do Estado? Havía-os à séria ou à força da espadeirada? Quantas vezes foi a Fazenda à glória desde essa época, quantas «troikas» tivemos?
Isabel II – Julgo que qualquer historiador económico, no fim do trabalho, terá que passar por um psicólogo ou mesmo por um psiquiatra que o reponha com alguma normalidade. Felizmente, não foi a isso que me dediquei; andei pela Cooperação. Mas agora, meus queridos, são horas de ir andando.
Feitas as despedidas, ficámos os dois a ouvir a passarada a regressar aos ninhos, antes do pôr do Sol. Posto este, pagámos a conta por muito mais dinheiro que o necessário para acabar o jardim no tempo da Rainha e não fomos promovidos a Condes.
Setembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca