JAPÃO – A 3ª BOMBA ATÓMICA
Religião é a crença na transcendência determinante da espiritualidade sobre a matéria e respectivas ocorrências, a metafísica de proximidade; é na religião que se escondem medos e se guarda a esperança.
Da religião emanam os conceitos de bem e de mal que suportam a Moral e que, transpostos para o plano dos factos, constituem a Ética.
Religião, Moral e Ética constituem a base da Civilização que, uma vez adicionada das artes decorativo-folclóricas, gera a Cultura.
É do quadro cultural que emanam as atitudes humanas as quais desenham a História.
Para conhecer um povo há, pois, que lhe conhecer a religião.
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A Cultura japonesa nasceu do Shintuismo a que se juntou o Budismo e, muito mais recentemente (séc. XVI) foi «polvilhada» pelo Catolicismo dos jesuítas portugueses.
Animista, o Shintuismo não tem qualquer texto que lhe assegure unidade de doutrina como acontece com os Vedas do Hinduismo, os Pensamentos de Buda no Budismo, a Tora no Judaismo, a Bíblia no Cristianismo ou o Corão no Islamismo. A profusão de deuses locais promoveu o regionalismo feudal com uma sucessão permanente de guerras e guerrinhas ao estilo do «sai daí para eu entrar». Foi necessário inventar a figura do Imperador «filho dos deuses» (sem se dizer de quais) para que houvesse um mínimo de coesão naquele arquipélago… e, mesmo assim, era um Imperador sem qualquer poder temporal cabendo-lhe apenas o papel de «filho dos deuses».
Foi necessário esperar por Janeiro de 1543 para, com a chegada de Fernão Mendes Pinto e as armas de fogo, se ter dado início à modernização da guerra e, daí, à unificação política do Japão.
Definitivamente, na História do Japão, a chegada dos portugueses, marca o fim do medievalismo e o início da modernidade. É claro que os japoneses não vêem telejornais portugueses e, daí, Portugal ser ainda hoje muito estimado no Japão.
Com a unificação política do arquipélago, o belicismo transferiu-se do interior para a periferia passando de feudal a imperial. O processo culminou na II Guerra Mundial a que só duas bombas atómicas puseram fim. Passando o Japão desarmado a ficar «protegido» pelos EUA, o Imperador Hiroito teve que descer a terreiro e reconhecer que se enganara ao nomear o Governo dos militares que conduzira o Japão ao descalabro e humilhação. Mais declarou não ter origem divina e ser simplesmente humano. Caído o dogma pela boca do próprio dogmático, foi esta queda a 3ª bomba atómica que destruiu a fé dos que haviam sobrevivido às duas bombas anteriores.
Com a destruição de todos os tradicionais parâmetros civilizacionais, novos Valores tinham que ser erguidos. Quais? Lamber as feridas foi o primeiro passo (fazer luto pelos mortos). Seguiu-se, com a ajuda americana, a reconstrução das cidades e logo, em simultâneo, a reconversão industrial da guerra para a paz.
Chegados a hoje não contam com o Imperador mas valorizam muito o Yen; continuam a pugnar pela harmonia com as forças da Natureza como paradigma do Bem mas entregaram aos Partidos a definição do bem-comum.
Ao contrário de nós, portugueses, que trabalhamos para viver, os japoneses vivem para trabalhar e por isso, em 80 anos, se ergueram das cinzas atómicas aos mais elevados padrões do desenvolvimento internacional e nós… não.
Maio de 2025
Henrique Salles da Fonseca