INDOCHINA – O TEMPO E A MEMÓRIA
1 - Uff. Há mais de quinze dias que, " A Bem da Nação" não era "alimentado". Mandei "e-mail" (fiquei inquieto) e mandaram-me dar uma volta. Ná. Aqui há coisa. E tenho de saber o que se passa. E liguei para o Henrique. Susto dos grandes. Meu. A voz vinha num sumiço de muito longe. Chegava fraquinha. E anunciava: estou no Vietname. E fraquinho fiquei eu. Imaginei logo, o que estariam a fazer, os seguidores da segurança Vietcong ao Amigo Henrique. Ele, em visita ao País ter-se-ia equivocado (acontece aos melhores) confundiu Ngo Dinh Diem (VS) com Ho Chi Minh (VN), confundiu o general Giap líder militar do Vietminh, e depois ministro da Defesa do Vietname do Norte, com o general Cao Ky do Vietname do Sul (CEM da FA), que não podia com o outro e... foi dentro para interrogatório. O que não estaria a sofrer. Depois, lá vieram, quase 20 dias passados, textos sobre o Vietname. Desconfiei de início (deveria ser truque da segurança), mas agora acredito mesmo que está em Lisboa. Pelos belíssimos textos com que nos brinda. Da minha parte, só agradecimentos.
2 - Curiosamente o Henrique (e porque gosto de datas redondas) foi à Indochina nos 60 anos da Batalha de Dien Bien Phu (1954). E apesar do heroísmo de ambos os contendores (porque as baixas dos dois lados foi brutal) não posso deixar de recordar o Tenente Coronel Bigeard, comandante do regimento de paraquedistas da Legião Estrangeira, que convocou os seus militares, onde lhes perguntou, quais os que queriam saltar sobre o campo cercado (e para romper o cerco, as baixas seriam muitas) e todos deram um passo em frente. Então, olha para eles, e diz-lhes: vão todos fazer a barba, porque comigo, qualquer homem só pode morrer barbeado de fresco. E saltaram, e romperam o cerco, mas o destino de Dien Bien Phu, e da França na Indochina estava selado. (A Batalha de Dien Bien Phu - Jules Roy).
3 - Mas o Henrique foi também ao Vietname, nos 50 anos do envolvimento (agora às claras) dos americanos no conflito vietnamita (1964). E tudo começou, quando o contratorpedeiro Maddox foi atacado por vedetas torpedeiras do Vietname do Norte (há quem sustente que não houve ataque), e os EUA consideraram que o VN tinha ido longe de mais. Lyndon Jonhson (sucessor de JFK) ficou logo com vontade de pôr o dedo no gatilho das FA's americanas. No dia 7 de Agosto de 1964 a Câmara dos Representantes aprovou por unanimidade (416 votos), e o Senado, com apenas dois votos contra, uma Resolução que dava ao Presidente americano "carta branca" para atacar o Vietname do Norte. Como resultado, de 1965 a 1968, de 3500 marines enviados para o Vietname, passou-se para 500.000 militares. Foi obra. Mas como dizia Frantz Fanon, quem sente a Pátria na sola dos pés está disposto a tudo. E foi o que aconteceu. Os franceses retiraram e os americanos também. Se não se acredita naquilo que se faz, o resultado é sempre este. (Com o apoio de: Os Anos de Salazar - volume 20). E já agora. Aqui. Porque Lyndon Jonhson enviou nesta altura mensagem a Salazar onde lhe colocava a questão relacionada com o golfo de Tonquim. As voltas que o mundo dá. Na altura o Secretário de Estado americano era Dean Rusk e o Secretário da Defesa era Robert McNamara. E (cá para nós) o Secretary Dean Rusk a propósito deste assunto levou um resmungão (?) de AOS. Pudera: querem apoio moral no Vietname, e quando lhes falo em África...nada.
4 - E já agora. 50 anos do golpe militar que afastou João Goulart da Presidência brasileira. E não é que este queria uma Reforma Agrária no Brasil, estender o voto aos analfabetos e heresia das heresias legalizar o Partido Comunista Brasileiro de Luís Carlos Prestes? O Presidente não devia estar bom da cabeça. E para a tratar o general Castelo Branco (CEME), com o apoio dos generais Artur Costa e Silva e Cordeiro de Farias, com os governadores de Minas Gerais, Magalhães Pinto, e de Guanabara, Carlos Lacerda, resolveram colocar o Presidente Goulart no Uruguai fazendo movimentar as tropas do general Olímpio Mourão Filho comandante da 4ª Região Militar, em direcção ao Rio de Janeiro. E o destino de Goulart foi logo ali traçado.
5 - E não quero maçar mais. Mas hoje estive na Biblioteca Municipal de Coimbra. E ali estava a evocação dos 150 anos do nascimento de Miguel de Unamuno. O que escreveu "Por Terras de Portugal e Espanha" e "Portugal Povo de Suicidas", que fizeram com que admirasse mais este "gigante" das letras espanholas. Porque a minha admiração vem do diálogo (?) de Unamuno com o general Millán Astray a 12 de Outubro de 1936. Unamuno começara por apoiar a República, mas foi contra a forma como a mesma queria fazer a Reforma Agrária e o modo como tratava a política religiosa e... outras questões mais. E Unamuno de apoiante da República passa a apoiante dos sublevados de 18 de Julho de 1936. Mas face à prisão e assassinato de professores da sua Universidade e de conhecidos seus, revolta-se também contra este estado de coisas. E foi no salão Nobre da Universidade de Salamanca que tudo aconteceu. O general Millán Astray no meio da euforia dos sublevados, após discurso, disse: "Muera la inteligência. Viva la muerte". Unamuno não se contém: "Estáis esperando mis palabras. Me conocéis bien, y sabeis que soy incapaz de permanecer en silencio. A veces, quedarse calado equivale a mentir, porque el silencio puede ser interpretado como aquiescência". E desancou o general nacionalista. Depois disto, Unamuno seria afastado e pouco durou. Abatido, desolado pela morte de sua esposa e vivendo praticamente em situação de prisão domiciliária, morre pouco depois, a 31 de Dezembro de 1936.
6 - O texto é longo. Mas a tua viagem à Indochina foi o que me sugeriu. Foi tempo do Tempo e Memória. Que não é lembrada e ensinada onde devia ser. E, por isso, a História repete-se para espanto (de muitos) e já aguardada (por poucos). Mas temos de nos habituar. Sem ficar espantado, com o muito que nos aconteceu, e...está a acontecer. E olha. Se entenderes, publica A Bem da Nação.
José Augusto Fonseca