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A bem da Nação

INDOCHINA – 7

 

Bandeira do Vietname.jpg

 Bandeira Nacional do Vietname

 

O dia amanheceu radioso na baía de Halong e no deck superior fez-se uma sessão de tai chi, a ginástica de origem chinesa que nos estica por todo o lado e nos põe quase a dançar. O monitor era um dos membros da equipagem que, dentre as funções que lhe estavam atribuídas, ajudava a servir as refeições e a evacuar os candidatos a náufragos em caso de chatice náutica. A polivalência desta gente não tem nada a ver com o que se passou em Portugal na época vermelha revolucionária em que havia quem aparafusasse do lado direito, quem o fizesse só do lado esquerdo, quem limpasse de um certo nível para cima e outros daí para baixo. Nunca cheguei a apurar se nessa saga de absurdas especializações haveria escriturários de débitos e outros só de créditos. Esse cenário insólito tinha obviamente como finalidade destroçar o aparelho produtivo privado para o pôr nas mãos do Estado enquanto no Vietname o objectivo é garantir um posto de trabalho mais confortável do que fingir que se é empresário numa economia em que, apesar de tudo, abunda o sub emprego.

 

Depois de esticado e banho tomado, a minha mulher ainda a «passar pelas brasas», eis que me encontro entre os primeiros clientes do pequeno-almoço e ouço alguém por trás a perguntar se se podia sentar na minha mesa. Era o Juan, o nosso guia, que logo perguntou se eu queria continuar a conversa que o jantar da véspera interrompera.

- Sí, por supuesto, sente-se Usted! – ao contrário dos espanhóis, os cubanos não se tutuam e o Juan aprendera espanhol em Cuba pelo que o tratei sempre por Você.

- O jantar interrompeu-nos a conversa ontem quando eu ia explicar como morreu o comunismo aqui no Vietname.

- Sim, confesso que julguei que a conversa não continuaria e que a interrupção pelo jantar tivesse sido oportuna.

- Não, não! Trata-se de um facto histórico e, como tal, há que o referir com toda a naturalidade e com o máximo de verdade de que cada um seja capaz.

- Óptimo! Então, porque é que o Juan acha que o comunismo foi banido do Vietname?

- Porque se a ideia comunista é muito bonita, ela não passa disso mesmo, uma ideia que, afinal, não funciona. Na prática, nós não produzíamos o suficiente para o nosso consumo alimentar, tínhamos que importar o arroz que é a base da nossa alimentação, o sistema estatal de distribuição não funcionava correctamente e havia gente a passar fome. As «cooperativas» agrícolas punham as brigadas de trabalho a funcionar em horários fixos como se fossem uma fábrica ou um escritório, os ordenados não compensavam quem trabalhasse mais, o colapso era evidente e felizmente houve um homem que decidiu resolver o problema em vez de ficar agarrado aos dogmas marxistas. Chamava-se Nguyễn Văn Linh e era a pessoa certa no cargo certo – Secretário Geral do Partido Comunista do Vietname – para decidir o que considerou necessário. Chamou-lhe «economia de mercado de orientação socialista» e ficou conhecido como o Gorbachev vietnamita. Começou por experimentar a liberdade empresarial numa região agrícola próxima de Hanói e, vendo que resultava, logo se apressou a estender o sistema a todo o país. E sabe o que aconteceu?

- Não sei mas estou ansioso por saber.

- O Vietname é hoje o segundo maior exportador de arroz de grão longo a nível mundial depois da Tailândia. Exportamos o arroz barato e consumimos o bom.

- Formidável!

- Mas continuamos com problemas...

- Sim, é natural que numa economia em movimento haja problemas.

- O fraco crescimento mundial atirou-nos para baixas taxas de crescimento anual do PIB.

- O que é que quer dizer com essas taxas baixas?

- O ano passado ficámo-nos pelos 5% e este ano não vamos ultrapassar os 7%.

- Mas isso é muito bom quando comparado com o que vemos por esse mundo além...

- Mas nós precisamos de muito mais porque temos uma taxa de crescimento demográfico relativamente alta e temos que «inventar» cada vez mais postos de trabalho.

- E o Estado Social de orientação socialista não ajuda essa gente?

- Sim, dá-lhes toda a liberdade para encontrarem as soluções que considerem convenientes.

- Como assim?

- O nosso Estado Social não existe. Não há, como na Europa, subsídio de desemprego, não há Segurança Social obrigatória, a Saúde é paga, a Educação é paga.

- Então, onde está o socialismo?

- De mão dada com o comunismo, algures por aí, escondidos.

 

Começaram a chegar outros passageiros para o pequeno-almoço e houve que acabar com a conversa antes que tudo se transformasse num comício. Felizmente, logo houve quem se aproximasse com perguntas específicas relativas ao programa do nosso «grupo excursionista» e o guia teve que dar a conversa comigo por finda.

 

Fiquei assim a saber que o capitalismo escorraçou o comunismo das terras do pássaro Viet e começo mesmo a desconfiar de que, afinal, em termos doutrinários, foi a América que ganhou a guerra do Vietname.

 

(continua)

 

Lisboa, 7 de Dezembro de 2014

 

Henrique em casa de Ho Chi Minh, Hanói.JPG

Henrique Salles da Fonseca

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