INDOCHINA – 1
Totalmente confiante nos trabalhos preparatórios da viagem por quem disso se encarregou durante vários meses - a Graça, (minha mulher) e o nosso amigo Pepe - e muito atarefado até ao momento de pôr o pé no estribo para a viagem, defrontei-me com a realidade num estado de grande inocência. Mais exactamente, de grande ignorância sobre o que me esperava.
Dizia para com os meus botões que o Vietname seria, depois de Cuba e da China, o terceiro país comunista que me preparava para visitar e foi com algumas ténebras que no aeroporto de Bangkok vi, já posto o Sol, chegar o avião da «Vietnam Airlines» pintado de cores plúmbeas, preparando-se para nos «engolir» levando-nos para lá da remanescente «cortina de ferro». Cenário plúmbeo desenhado por mentes tenebrosas, restava-me a confiança ilimitada nos organizadores da viagem que, também eles, não quereriam meter-se em sarilhos. E seriam as agências de viagens assim tão loucas que enviassem vítimas inocentes para cenários de holocausto? Não haveria de ser nada de cuidado, era o meu cansaço de infindas horas de voo de Lisboa ao Dubai e a Bangkok a imaginar coisas feias.
Chegada a hora, bradou o alto-falante uns guinchos em falsete que fui obrigado a reconhecer como voz humana dizendo o que era fácil de adivinhar, que embarcássemos. E lá fomos nós quais dóceis rezes direitas ao açougue...
Afinal, o avião era um Airbus A321 quase novo com interior sem excesso de austeridade e de classe única à boa maneira comunista. Sentado na última fila, restou-me a esperança de ser o último a baixar aos calabouços na minha óbvia qualidade de perigoso capitalista imperialista; a minha mulher seria das penúltimas pois estava na fila à minha frente. Calhou-me no banco ao lado uma rapariga-mulher-menina-senhora de idade e estatuto indefinidos que tanto poderia ser a Embaixadora vietnamita junto da Corte do Sião que regressava a Hanói para consultas políticas como uma «artista» do cluster turístico mais conhecido da Tailândia que regressava a casa para consultas urológicas. Mas também poderia ser uma simples e honrada mãe de família que fora a Bangkok visitar a sogra por ali emigrada assim como poderia ser qualquer outra coisa que a imaginação nos permita. Na certeza, porém, de que a pobrezinha estava apavorada e disso eu não tive quaisquer dúvidas. Tentando descontrair-lhe a mente, vá de meter conversa e eis que me responde com mímica internacional de como quem diz – Não percebo nada do que estás para aí a dizer. Respondi-lhe do mesmo modo dizendo que a queria ver com o sorriso pendurado nas orelhas e não com lágrimas. Sorriu em agradecimento mas não foi capaz de continuar a tentar ser simpática pois teve que se agarrar de imediato ao saco-vomitório. Durante a viagem de Bangkok a Hanói (menos de duas horas de voo) tive que ir pedir mais dois desses sacos para a pobrezinha se servir. Obviamente, o jantar que lhe foi servido ficou intacto e eu fui comer o meu para junto da tripulação para que ela não fosse obrigada a assistir. «Estrada» lisa, voo sem história, aterragem normal, saímos do avião e já na manga fui então presenteado por um sorriso lindíssimo de despedida da minha efémera vizinha na última fila da formatura no caminho para o açougue.
(continua)
Lisboa, 2 de Dezembro de 2014
Henrique Salles da Fonseca
(Ho Chi Minh City - Novembro de 2014)