IN ILLO TEMPORE
Corria Março de 1974 quando vim a Lisboa em representação do Governo Geral de Moçambique para lançar a ideia à LISNAVE da construção dos grandes estaleiros navais de Lourenço Marques.
Concluída a missão, ficou a ideia a amadurecer por cá e eu regressei a Moçambique. Rodas da TAP no ar um pouco antes da meia-noite do dia 15 de Março e chegada a Luanda pelas 8 da manhã. Vôo impecável como é timbre dos nossos, mas achei curioso que ao fundo das escadas estivesse na placa o General Luz Cunha, então Comandante Chefe das Forças Armadas em Angola. Mas logo percebi que tanta honra não era a mim dirigida por aquele ilustre meu consócio na Sociedade Hípica Portuguesa, mas sim ao meu companheiro de viagem, o então Arcebispo de Luanda, D. Alexandre do Nascimento. Como imaginei, não era aquele o local nem a circunstância apropriada para o General pedir ao Arcebispo que o ouvisse em confissão e, logo de seguida, fui também eu contemplado com a informação de que, durante o nosso vôo houvera uma tentativa de golpe militar a partir das Caldas da Rainha. Que eu, chegando a Lourenço Marques, me dirigisse com urgência ao Governo Geral para comunicar a ocorrência. Por acaso, estava no aeroporto um conhecido meu que era pessoa da maior confiança do Governador Geral. Transmiti-lhe a informação e senti-me desobrigado da urgência. Já civil, mantinha relações de amizade com altas patentes militares pelo que também as informei da ocorrência. A partir daqui, «liguei à terra» e voltei aos meus dossiers profanos, não classificados.
Os assuntos que cabiam nos meus dossiers eram mesmo profanos e foi a eles que me dediquei durante mais uns dias até que tudo foi perdido no Largo do Carmo, em Lisboa, no dia 25 de Abril desse mesmo ano. Perdeu-se «só» o que segue:
- Televisão (já a cores) para servir sobretudo de telescola – ficou no papel apesar de os concursos públicos para o equipamento estarem prontos para lançamento;
- Relançamento do porto fluvial de Quelimane com fixação da barra do Rio dos Bons Sinais – ficou no papel apesar do projecto de engenharia já estar em curso;
- Transformação em empresa dos estaleiros navais da Beira – ficou no papel;
- Identificação de mais 40 locais a desmatar para servirem de pistas aos médicos voadores – ficou no papel.
E em meados de Julho meti-me no «Infante D. Henrique» e fiz um cruzeiro até Lisboa, a minha terra.
Foi assim no illo tempore de há cinquenta anos.
Março de 2024
Henrique Salles da Fonseca