HEMOLIVRE
«Sem sangue», eis o significado quase óbvio para «hemolivre», palavra que ainda não consta dos dicionários e que não é sinónimo de «exangue».
Então, para desgosto do remanescente espírito feral que por aí possa vogar, imaginemos o espectáculo tauromáquico à portuguesa (sem a morte do toiro) totalmente hemolivre. Exacto, a lide tauromáquica sem «banderillas».
Do fim para o início, o espectáculo «à portuguesa» tem como objectivo a pega de caras pelos forcados. Para que a pega seja possível, é fundamental que o toiro invista bem direito (sem derrotes laterais) e com a cabeça baixa. Isto consegue-se com o trabalho do capote e com a lide a cavalo.
Então, deverá o toiro começar por ser «desenrolado» numa lide tão bilateral quanto necessário também para lhe endireitar a investida. Nesta lide poderão ter que ser utilizados 3 ou 4 cavalos. Depois de o toiro estar «desenrolado» e direito, segue-se a lide com capote para lhe baixar a cabeça e para afinar algum detalhe na rectitude da investida. Conclui-se com a pega de caras e com os aplausos entusiásticos do público por uma lide harmónica e «hemolivre».
A lide de cada toiro será assim mais demorada pelo que o curro de cada corrida não terá mais do que quatro toiros.
E assim se assegura a preservação da tauromaquia portuguesa, a de génese aristocrática.
Quanto à corrida espanhola, de origem popular, os matadores tinham que ir aos campos pela calada da noite, lidar e matar toiros para terem almoço e jantar para as respectivas famílias. Como as hienas.
Entretanto, quanto a nós, dancemos com toiros!
Março de 2022
Henrique Salles da Fonseca