GRANDE INÉRCIA
Tanto quanto a minha actual ambliopia me permitiu constatar, hoje refiro-me a um homem branco, português, na casa dos 50 ou, no máximo, na dos 60 anos de idade.
De pé ao balcão duma pastelaria na zona das Janelas Verdes, em Lisboa, o Fulano conversava com outro cliente sobre qualquer assunto que não procurei entender mas que, a certa ocasião, versou a leitura de mensagens nos telemóveis. E o branco disse para o seu interlocutor algo como…
– Não tenho telemóvel, não sei ler
… e ao longo da conversa insistiu várias vezes na afirmação de que não sabia ler.
Apesar da lógica algo distorcida de não ter telemóvel por não saber ler, admiti que o Fulano não conhecesse também a numeração e, portanto, ser completamente vazio da mais elementar instrução.
Mas conferiu (ou fingiu conferir) o troco que lhe deram na transacção que fizera e com isso só serviu para me espantar ainda mais naquilo que hoje me parece um absurdo, o analfabetismo adulto em pessoas aparentemente não deficientes.
Sobre esta questão, lembro-me duma conversa que um professor de liceu teve connosco, os seus alunos em turma de filosofia, sobre a questão do analfabetismo em que ele nos sugeriu que tentássemos abstrair de tudo o que estivesse escrito e nos pudéssemos aproximar do mundo do analfabeto. Dizia ele que era quase o mesmo que abstrair de tudo o que nos rodeia, do ser, pois já não somos capazes de imaginar o mundo sem a comunicação escrita.
E lembrei-me de mais…
… de que a actividade mental, nomeadamente pela prática da leitura, estimula os neurónios e respectivas sinapses, desenvolve o cérebro; a contrario senso, a inactividade mental retrai a capacidade cerebral; povos mentalmente desenvolvidos apresentam QI’s médios mais elevados que povos com elevadas taxas de analfabetismo.
… em 1910, chegámos à República com uma taxa de analfabetismo adulto da ordem dos 90%; em 1974 essa taxa ainda era de 25%; no Recenseamento Geral da População de 2011, ainda era de 5%.
Sempre que viajo por países com letreiros em escrita diferente do alfabeto latino me lembro desta questão mas, na verdade, sempre vai havendo um ou outro letreiro para turistas e lá me vou orientando. Não sou capaz de me imaginar analfabeto, o analfabetismo é um flagelo e, quando o constato, um espanto.
Grande inércia, esta que ainda hoje com tanto analfabeto adulto temos que vencer em Portugal para conseguirmos avançar por este séc. XXI adentro…
Junho de 2019
Henrique Salles da Fonseca