GERINGONÇA
Quando, há dias, escrevi o texto anterior intitulado «Nasser», considerei que estava a ser utópico, voluntarioso em excesso, quase infantil. Publiquei-o, claro está (até porque não escrevo para arquivo) mas hesitei na respectiva divulgação. E qual não foi o meu espanto com a receptividade que foi demonstrada por comentários positivos que me fazem admitir não ter sido tão infantil quanto temera nem tão excessivamente voluntarioso ou utópico. Sinto-me, pois, encorajado e prossigo…
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A ideia de irrigar o Saará é antiga e a barragem de Assuão é o exemplo mais «faraónico»; a ideia de dessalinizar a água do mar é antiga; a ideia de irrigar intensa e extensamente o Saará com água dessalinizada pode não ser moderna; as tecnologias da energia solar (e eólica), sim, é que são relativamente novas viabilizando economicamente o processo de evaporação-condensação. Esta relativa modernidade não obsta, contudo, a que esteja disponível na Internet muitíssima informação, esquemas de funcionamento, inclusive.
Fora eu bricoleur e avançava já na construção de um protótipo de geringonça que bombeasse água do mar, a fizesse evaporar à força de energia solar e, numa serpentina de refrigeração, a fizesse condensar, já sem sal, num recipiente ali ao lado. O princípio é tão «moderno» quanto o alambique; a diferença está na energia utilizada. E, já que estamos com a mão na «massa», admitamos outros materiais que não o velhinho cobre dos alambiques do medronho algarvio. Se eu conseguir que um engenheiro se interesse pela ideia, tenho a certeza de que todas as minhas dúvidas desaparecem num instante e que o «boneco» da geringonça aparece feito com todas as especificações necessárias. E quando o engenheiro começar a especificações, logo surgirão oportunidades para puxar pelas cabeças. Então, assente o «boneco», vai ser necessário orçamentar a construção desse protótipo, reunir os fundos necessários e adjudicar o fabrico a uma oficina de serralheiro que ofereça garantias de qualidade na execução da obra.
E assim por deante…
A alternativa a este projecto privado é conseguir-se o apoio público, nomeadamente do Ministério da Economia e respectivas instituições de investigação.
Privado ou público, o projecto pode perfeitamente ser nosso, português, sem necessidade de recurso a estrangeiros. O que a abundante informação técnica disponível não disser, a capacidade de raciocínio local há-de suprir.
Entretanto, o Instituto para a Cooperação (MNE) que vá preparando a agenda das reuniões bilaterais com os Governos do Norte de África.
E se os Governos do Magreb e do Makresh não estiverem interessados em sedentarizar os nómadas, ficamos com uma geringonça que em anos de seca nos livrará do sufoco espanhol às águas transfronteiriças.
Para já, talvez seja prudente ficarmo-nos por um protoprojecto.
Setembro de 2020
- Henrique Salles da Fonseca